Fotografia: Severino Ribeiro, Acervo Fundação Joaquim Nabuco |
:: Perfil do Artista
Valente
Malangatana (1936-2011) nasceu em Moçambique e tornou-se um dos
artistas plásticos mais respeitados internacionalmente. De origem
humilde (foi pastor, aprendiz de curandeiro e empregado doméstico),
converteu-se na idade madura em uma das mais emblemáticas personalidades
africanas. Embora a pintura figurativa tenha sido sua principal
realização artística, Malangatana também foi político, músico, poeta,
gravurista e escultor. Em reconhecimento aos seus altos méritos, foi
nomeado, em 1997, o “Artista Unesco para a Paz”.
Entre 11 e 26 de
novembro de 1998, a convite do então presidente da Fundaj, Fernando
Freyre, Malangatana esteve na Instituição e pintou, durante vários dias,
o mural ora em destaque (Ver Descrição técnica). Na oportunidade,
também foram incorporadas ao acervo dois óleos sobre madeira do artista.
Pela primeira vez, o público brasileiro tinha acesso ao trabalho do
grande moçambicano.
:: Descrição Técnica
Mural
do Edifício Paulo Guerra (sede administrativa da Fundaj, bairro de Casa
Forte, Recife) Autor: Valente Malangatana Dimensões: 240 cm X 480
cm Ano: 1998
Técnica: pintura mural em tinta industrial (tipo PVA)
com pigmentos, executada diretamente sobre a parede. Em 2008, o mural
passou por uma intervenção de restauro, pois a camada pictórica
apresentava descolamento do suporte (parede em alvenaria); foi tratado
com a refixação da camada pintada e retoques para reintegração de
pequenas áreas de perda.
:: Depoimento
VALENTE MALANGATANA (1936–2011)
Sim,
amigos, eu vi Malangatana, o múltiplo e universal artista de
Moçambique, pintando um grande mural no Recife, criando mais uma vasta
página do seu imaginário africano, no qual sentia-se e sente-se a
emergência de uma cosmologia que transfigura uma inarredável e forte
herança cultural. O grande figurativo suava, liquefazia-se no verão
recifense de 1998, no hall do edifício Paulo Guerra, na sede da Fundação
Joaquim Nabuco (Fundaj). Criador e criatura viviam o embate de se
libertarem generosamente um do outro. Em meio às lágrimas de suor e
tinta, arfavam como gigantes exaustos e pulsantes. Ao calor do verão
tropical, vinham se juntar as cores quentes do moçambicano — laranjas,
vermelhos e similares — e as linhas sinuosas de corpos e faces, algumas
tão tristes e expectantes que poderiam roçar nossa pele e encadear
histórias sem fim. As histórias que o próprio Malangatana ouvira na sua
infância sem nunca saber ao certo se eram reais, verídicas, ou
imaginárias, como eu mesmo o escutei dizer. Espantados, servidores e
visitantes da Fundaj por vezes se detinham ante aquele inusitado quadro
humano e plástico, do qual logo viria à luz um belo e grande mural (2,40
X 4,80) que traria, para sempre, a África aos nossos olhares cotidianos
e curiosos. A África vital, dionisíaca e sanguínea de Valente
Malangatana.
No último dia 5 de janeiro, Malangatana — ele próprio uma espécie de
baobá humano e generoso — “partiu para a eternidade” aos 74 anos. E se
foi coberto de glória, como símbolo e herói de sua gente. De menino
pobre chegara a ser um artista internacionalmente reconhecido e
prestigiado, a ponto de, em 1997, ter sido nomeado “Artista Unesco para a
Paz”. E tanto quanto artista fora um homem excepcionalmente engajado
política e socialmente, criando instituições de arte, lutando contra a
então onipresente opressão colonial portuguesa, estimulando
fraternalmente novas vocações em seu país.
Como artista, trouxe para a sua arte as suas vivências e convivências
plurais. Na infância e juventude fora aprendiz de curandeiro, pastor e
empregado doméstico; na idade madura se agigantou ao explorar e provar
seus inúmeros talentos, tornando-se político, músico, poeta, gravurista e
escultor, sem falar, é claro, de sua pintura onírica e figurativa, que
se tornou seu estandarte artístico e universal.
Símbolo, na
Fundaj, de uma fraterna aproximação cultural com a África, em particular
com a África lusófona, o flamejante mural de Malangatana, encomendado à
época do presidente Fernando Freyre, é também um testemunho de um povo
que nos olha e pergunta por nossa atenção. Olhos e sexos que nos
desnudam para nos vermos no seu magnífico espelho.
:: Acervo em Destaque
Responsável
pela guarda, preservação e difusão dos acervos da Fundação Joaquim
Nabuco, a Diretoria de Documentação, tendo em vista justamente a
divulgação e o compartilhamento do seu patrimônio histórico, artístico e
cultural, passa a expor, neste espaço virtual, o que há de melhor no
acervo reunido em mais de seis décadas pela Instituição.
Nosso
primeiro destaque é para o belo mural do artista moçambicano de renome
universal Valente Malangatana, falecido no dia 5 de janeiro de 2011.
Paulo Gustavo, servidor da Fundaj e escritor
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