Nos arredores das ruas tortuosas - em meio ao canto desafinado das
motocicletas - Ensanguentado pelos vermes futuros jogados na lata do
lixo invisível. Na cidade fantasma de sua própria significância - No
diálogo tortura dos vizinhos - Rumo à rota de colisão com algum trem
desfalecido na própria razão do percurso. Aos berros por traz das cercas
transparentes dos vilarejos...Entre mim e ti, a página.
Perto dali, Ele, um suburbano delírio na descontrolada cadeia de
eventos da periférica cidadela. Àquele que foi deixado nos bueiros
semiabertos da grande capital salgada quando ainda era um feto. Àquele
de escritos jamais acontecidos preparava seu último texto nesta vida.
Não quero parecer dramático - nas aldeias do espaço-tempo - muito
menos inverossímil no sentimentalismo pré-apocalíptico vistos nos filmes
desnecessários, mas realmente, passa em sua mente - antes doentia -
agora em frágeis recepções dos dados da realidade, parar de escrever.
Tudo começou quando ouvi as primeiras buzinas saídas das trombetas
silenciosas de um mundo que não dorme. Eram 5:55 da manhã, estava à
beira de um colapso hologramico. Estaria ele seguindo os robóticos
passos da modernidade? Concluiu. Observava os primeiros raios com um
rosto que parecia ter sido triturado por milhões de javalis
onipresentes.
Como já sabemos, ele já não era mais tão jovem. Era um senhor de
idade vindo do século passado em outra dimensão. Apaixonado por Marcel
Duchamp - até o encontrou certa vez - bebendo o seu matinal café nas
privadas abertas de Paris - perto da zona vermelha - onde jovens
malandros escreveram textos conceituais nos muros, não à grafite, mas à
bala.
Ele - que odiava ouvir a sequência de músicas da programação das
rádios - ouviu enquanto esperava na fila do banco, o som de Bach, e se
indagava depois, no aglomerado fúnebre do fim do túnel-ônibus, se
conseguiria enfim, escrever os derradeiros versos - e em sua empáfia -
se estes teriam alguma relevância.
O presente estava guardado entre a mochila - que pesava mais que uma
nebulosa - e estranhas agendas vindas do futuro. Ele assoberbava sua visão
de mundo para além de uma eventualidade débil e as razões que o levaram
a não sentir, segundo ele, a poesia completa - era tão desconhecida -
quanto o sexo da criança enquanto embrionário sonho ao lado das lamúrias
dos casais solitários.
Eu, que costumava caminhar com ele por dias, pude constatar caro
leitor, queria apenas escrever um último rascunho. Rascunhar suas
sensações como um louco à procura da dose de clarividência, como um
vírus à procura do próximo rosto que irá beijar e adentrar sua língua
atrofiadamente humana e depois espontaneamente se arremessar para fora
com a força bruta de um touro. – Não há qualquer razão em escrever -
dizia esmagando a calçada com tamanha convicção iminente.
No cair da noite, sentado à beira da página que lhe dizia chapantes
reflexões e que deitava por sobre suas costas e amortecia a queda de uma
ácida goteira de começos intermináveis - esse é o meu último rascunho -
lamenta, levando à mão ao rosto quente pelo vapor contínuo da noite
perversa.
Ele, um branco-gelo ponto desconhecido no espaço. - Jamais entrarei
nas páginas - pensa, voltando a fitar os dedos na caneta magicamente
moribunda, já de movimentos não tão marcados, já de lentos desvios
gramaticais.
Como já sabemos, estava rodeado pelo inexplicável, pelos jogos dos
sentidos em mensagens-metáforas trazidas dos correios inexequíveis.
Caminhando ao lado dos exércitos combatentes de outros planetas em
cavalos que perfuravam as paredes em formato de ilhas, ilhas escondidas
entre a última letra e o ponto final.
Como um calafrio calmo rondando as canelas de suas mãos. Na beirada
de um transgênico homicídio que cometerá na irrelevância existencial dos
baús dos escritores esquecidos. Ele, a irrealidade fatal dos passos, o
bafo frio de uma não música...
E a página...
E àquele mundo sem cor que se arreganha para algum escritor e o
convida ao mais profundo observatório? E que agora - como uma virgem de
pensamentos já há tempos violados - pela tinta, pelo não-germe
iluminado, pelos dedos Voyeurismo roçando os umbigos rumo ao corpo
expansivo da lauda - pergunta: Onde estão todos?
Ele que não rascunharia mais ali, a história de um homem de palavras
tortuosas de tão escorregadias e que a noite - atolava sua voz de volume
morto - e que caindo aos poucos, deixava um encalço de uma concupiscência incerteza escura. Apenas, tateável em
estrofes-silhuetas que cortinavam e descortinavam a brisa linear das
horas.
No estranho café-buraco negro. No ventilador-tornado que espalha as
badaladas estagnadas por alguma rua em plutão, à leste de sua própria
inquietude e nos risos de si mesmo...
Já era manhã e ele era o próprio sol sobre a página.
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Pinturas | Edward Hopper