Ex-trombadinha que migrou aos 12 anos para os Estados Unidos, o paulistano mais conhecido como Dr. Hollywood formou-se médico e virou estrela de reality show
Por João Batista Jr., de Los Angeles
Rey com sua Maserati na Rodeo Drive, a avenida mais badalada de Beverly Hills: “Não é qualquer latino que vence por aqui” (Foto: Mario Rodrigues)
Desferindo socos e voadoras no ar como
um garoto que acaba de descobrir os filmes de Bruce Lee. É assim que
Roberto Miguel Rey Junior surge na sala do pré-operatório de seu
consultório no Bedford Surgical Center, o centro de estética mais
sofisticado de Beverly Hills, em Los Angeles, nos Estados Unidos. A
cena, ocorrida no último dia 7, às 17 horas, não surpreende nenhuma de
suas doze funcionárias, já habituadas ao estilo excêntrico do patrão.
Ele chega falando como uma matraca, recende a perfume adocicado
Carolina Herrera, ostenta no pulso um Rolex Submariner de ouro cotado em
90.000 reais e veste camiseta com decote em “V”, figurino adotado para
deixar à mostra o resultado das sessões diárias de 1h30 de malhação.
“Olá, menina linda, se não fosse ilegal, daria um beijo em você! Vamos
já dar um trato nos seus seios”, diz para a americana Renée Peralta, de
25 anos, paciente que está à sua espera para realizar um implante de
silicone. O médico, que costuma cobrar entre 10.000 e 20.000 dólares por
esse tipo de serviço, vai operá-la de graça. Em troca, ela assinará um
termo autorizando o uso de sua imagem para a televisão.
Mario Rodrigues
Com a paciente Renée Peralta (deitada): operada de graça, em troca da cessão das imagens de sua cirurgia para a TV
Antes do início da sessão com o bisturi, a equipe fica a postos,
compenetrada, enquanto o chefe faz uma oração em português. “Nosso pai
celestial, abençoe a paciente para ela ficar melhor e mais alegre”, reza
Rey, com os olhos fechados e de mãos dadas com os auxiliares e
enfermeiras (na maior parte do tempo, ele se expressa num inglês
impecável, quase sem sotaque).
Nas duas horas seguintes, comanda os trabalhos, que começam com uma
aplicação de trinta agulhadas de anestesia em várias partes do corpo da
mulher sobre a maca. Um grupo formado por um cinegrafista, um
sonoplasta, um diretor e uma produtora registra todos os passos.
Familiarizado com o circo televisivo, o médico repete algumas “cenas”,
com a paciente sedada. “O som está bom? A luz está perfeita?”, pergunta,
enquanto se prepara para aplicar uma injeção de 400 mililitros de
silicone. Terminado o procedimento, olha para a câmera e, apalpando os
seios de Renée, conclui num tom professoral: “É fundamental que o
resultado fique simétrico”.
Mario Rodrigues
O prédio onde fica a clínica: seis cirurgias por dia
Essas imagens são ao estilo do reality show sobre cirurgias plásticas
que o deixou famoso. Batizado de “Dr. 90210” e transmitido entre 2004 e
2010 pelo canal americano E! Entertainment Television, o espetáculo com
forte apelo trash mostrava o dia a dia de sua clínica em Beverly Hills.
Nos Estados Unidos, a atração conquistou uma audiência de 38 milhões de
espectadores, o que fez com que ela fosse exportada para outros 172
países. “Ele tem linguagem acessível, é vaidoso e mostra o estilo de
vida de Hollywood”, afirma Rick Leed, produtor executivo do “Dr. 90210”,
referindo-se a Rey. Rebatizado de “Dr. Hollywood”, o programa entrou em
2006 na grade da RedeTV!, repetindo por aqui um sucesso semelhante.
Exibido até janeiro deste ano, rendia uma média de 5 pontos no ibope, um
feito para a audiência da emissora.
Mario Rodrigues
Ele e as “reyzetes” no cenário de Sexo a Três: “Será o negócio mais quente já exibido na TV”
O bom desempenho levou o canal a contratar Rey para comandar uma
atração própria, inteiramente produzida no Brasil. Chamado de “Sexo a
Três”, será um espetáculo de auditório que vai abordar assuntos como
sexo, medicina e bizarrices em geral. “Exibiremos a coisa mais quente já
levada ao ar no mundo”, promete o apresentador, bem ao seu estilo
exagerado. Pode-se dizer, porém, que ele realmente está caprichando para
atingir esse objetivo. Suas quinze auxiliares de palco, batizadas de
“reyzetes” e vestidas com trajes sumários, ficam rebolando
freneticamente.
Figuras do naipe da ex-modelo Monique Evans e do ex-BBB Kléber Bambam
disputam um game show sobre sexo. Os comentários de Rey batem recordes
de baixaria. Entre uma prova e outra, ele aproveita para mostrar cenas
de cirurgias. Com estreia prometida para o próximo dia 27, o programa
será exibido aos domingos, após as 21h. O médico deve receber 200.000
reais por mês, entre salário e participação com comerciais e
merchandising. Antes mesmo de ir ao ar, o negócio já rendeu uma
polêmica: uma funcionária da RedeTV! deixou a produção de “Sexo a Três”
depois de receber um elogio grosseiro de Rey, dizendo-se vítima de
assédio sexual. O cirurgião nega o caso. “Pedi cópias das gravações do
circuito interno da emissora e vou levá-la à Justiça por difamação”,
afirma ele.
Filho de pai americano que lutou na II Guerra Mundial e de uma
faxineira gaúcha, Rey tem uma história tão incomum quanto o roteiro de
seus programas. Paulistano nascido há 50 anos no bairro da Lapa, morou
na infância com os pais e três irmãos — Valquíria, Valdívia e Jaques —
em um apartamento de dois quartos na Rua Faustolo. “O alcoólatra do meu
pai dormia em um quarto com suas trinta armas, enquanto nós ficávamos
espremidos no outro cômodo”, lembra. Quando garoto, chegou a flertar com
a delinquência, cometendo pequenos furtos em mercados da região.
Surrupiava mercadorias, como pacotes de bolacha e xampus. “Se minha vida
não tivesse mudado radicalmente, seria hoje um marginal”, diz.
Arquivo pessoal
Rey (no centro), ao lado das irmãs Valquíria (à dir.) e Valdívia: infância difícil em São Paulo
Aos 12 anos de idade, segundo conta, um grupo de missionários mórmons
bateu à porta de sua casa e conseguiu autorização para levá-lo aos
Estados Unidos. Ficou dois anos no estado de Utah com a família adotiva,
até que seus irmãos e a mãe também migrassem para uma fazenda do
Arizona, sempre bancados pelos religiosos. Graças a essa ajuda e a uma
boa dose de esforço próprio, adaptou-se bem ao país e avançou nos
estudos. Seu currículo inclui passagens por boas faculdades de química e
de medicina e uma especialização em cirurgia plástica em Harvard, uma
das instituições de ensino mais respeitadas do mundo. “Estudava quinze
horas por dia e ralei muito para vencer o preconceito que existe aqui
contra os latinos”, orgulha-se Rey, que diz ter perdido o contato com a
mãe há dez anos.
Mario Rodrigues
Câmeras
até no cemitério público de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, onde o
pai foi enterrado há dois anos: “Vou tirá-lo daquele lugar horrível
para que consiga descansar em paz”
O pai morreu em 2010 e está enterrado num cemitério de Franco da
Rocha, na Grande São Paulo. “Ele bebia, tinha amantes e batia na minha
mãe, mas mesmo assim vou tirá-lo daquele lugar horrível para que consiga
descansar em paz”, promete. Numa visita ao túmulo, o médico levou uma
equipe de gravação para registrar tudo. A história do garoto pobre que
venceu nos Estados Unidos foi bastante explorada no reality show.
Mario Rodrigues
Sydney, Rey, Robby e Hayley na sala da mansão de Beverly Hills: vizinhos de Sharon Stone e Demi Moore
Devido ao novo compromisso com a RedeTV!, o cirurgião passou a viver
na ponte aérea Los Angeles-São Paulo. No começo deste mês, estava em
Beverly Hills preparando-se para vir acertar no Brasil os últimos
ponteiros de seu programa. Por lá, vive com a mulher e os dois filhos em
uma casa de 800 metros quadrados com uma vizinhança estrelada. “Demi
Moore, Mark Wahlberg e Sharon Stone moram aqui por perto”, enumera.
“Aliás, um filho da Sharon é colega de classe do meu filho Robby.” Essa
vizinhança toda não afasta sua paranoia por segurança: ele carrega uma
pistola 9 milímetros no porta-malas de sua Maserati e anda com um
canivete escondido na meia. “A Paris Hilton foi assaltada um dia
desses”, justifica. “Hollywood pode ser pior do que São Paulo.”
Mario Rodrigues
Visual é tudo: Dr. Rey sempre escova cuidadosamente os cabelos antes de pôr os pés na rua
Sua rotina começa às 6 horas da manhã. Ele desce os três andares que
separam seu quarto, decorado com um urso de pelúcia de 2 metros de
altura, da academia particular. Alterna treinos de malhação, jiu-jítsu,
caratê e tae kwon do durante uma hora e meia. No café da manhã, pede a
sua empregada nicaraguense, a quem paga cerca de 8.000 reais por mês,
para preparar 25 ovos cozidos. Sim, 25. Mas come somente as claras. Elas
são ingeridas com alguns dos 27 suplementos vitamínicos que toma ao
longo do dia. “Envelhecer é questão de escolha”, diz o médico, que
assume ter afilado o nariz e aplicado Botox em alguns pontos do rosto.
Mario Rodrigues
Casal vaidoso: ao lado da mulher, Hayley, em uma balada
Ele é casado desde 2000 com a charmosa canadense Hayley, de 37 anos,
mãe de seus dois filhos. Em matéria de vaidade, ela não fica atrás do
marido. Pesa inacreditáveis 41 quilos, tem próteses de 400 mililitros de
silicone nos seios e, a cada oito meses, aplica ácido hialurônico nos
lábios para deixá-los mais carnudos (ele, é claro, sempre cuida das
sessões de recauchutagem). O casal vive em pé de guerra. Num dos
episódios que renderam mais audiência ao “Dr. Hollywood”, Hayley o
enlouquece ao decidir fazer uma reforma de 1 milhão de dólares na
cozinha da mansão. A rotina deles parece uma extensão do reality show.
Para irritá-la, Rey fala em português: “Percebe essa cara de brava da
gringa? É assim o tempo todo. Está sempre me cobrando por eu estar
atrasado e por acordar feliz”. Hayley parece não acusar o golpe e tem
uma teoria para o comportamento dele: “Como foi rejeitado pelo pai, ele
sente síndrome do abandono. Por isso, quer atenção todo o tempo”.
Mario Rodrigues
Assédio de fã na Calçada da Fama: exageros e bizarrices
Com frequência, depois de sair da clínica, onde chega a realizar seis
operações por dia, Rey cai na balada sozinho. “Beijo umas dez mulheres
por noite, mas não transo com nenhuma”, assegura. “Amo minha mulher e só
saio do casamento dentro de um caixão.” O relacionamento parece bem
mais afinado no campo dos negócios. Enquanto o marido transforma as
cirurgias num espetáculo de TV, a esposa faz o papel de empresária,
cuidando da indústria de licenciamento de produtos que se formou em
torno do personagem — que vão de cintas modeladoras a cremes para a
pele.
Neste ano, ela deve movimentar cerca de 70 milhões de dólares.
“Preciso aparecer na TV para vender esses artigos”, explica Rey. Sua
tática para ficar em evidência? Antes de ir aos restaurantes, liga para
algum paparazzo. “Eu e Britney Spears somos iguais: jogamos com esses
caras para ficar nas manchetes.” O médico é tão próximo deles que manda
servir sobremesa aos fotógrafos “escondidos” em postes e árvores. Nem
sempre a parceria funciona. Dias atrás, por exemplo, ele estacionou seu
carro em frente a uma joalheria de Beverly Hills por volta do meio-dia.
“Deve ter pelo menos três paparazzi escondidos por aqui”, dizia. Retocou
o blush terracota, botou os óculos escuros e saiu lentamente, como quem
procurava um amigo perdido. Em vão. Nenhum flash foi disparado. “Acho
que ainda não acordaram”, comentou, sem esconder uma certa decepção.
Apesar do estilo exótico e da necessidade permanente de estar sob os
holofotes, o cirurgião conquistou uma clientela considerável graças à
reputação de ser um bom profissional. Em dezenove anos de exercício da
medicina, não recebeu nenhuma queixa por indisciplina ou erro, segundo o
departamento de saúde da Califórnia. Entre os colegas, porém, é objeto
de compreensíveis críticas. “Ele tem um comportamento esdrúxulo”, afirma
José Teixeira Gama, presidente da regional paulista da Sociedade
Brasileira de Cirurgia Plástica. “Leva as pessoas pensar que fazer uma
plástica é tão simples quanto ir ao cabeleireiro.” Ivo Pitanguy, papa
dessa área no país, é categórico: “A liturgia das cirurgias não pode ser
vulgarizada pela exposição na mídia”. Decano da televisão brasileira e
ex-vice-presidente de operações da Rede Globo, o empresário José
Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, engorda a turma que faz
restrições sérias ao personagem. “A medicina é coisa séria, não pode
virar um canal para alguém se transformar em galã de TV”.
Rey não se abala com essas opiniões. “Levo informações consistentes
ao público”, acredita. Ele admite que seu sonho inicial era se tornar
ator. Afirma ter feito, no fim dos anos 70, testes para ser o
protagonista do filme “A Lagoa Azul”, ao lado de Brooke Shields. “Não
passei porque a indústria de Hollywood é racista e não tolera latinos”,
diz. Engana-se quem pensa que ele matou a vontade de ter uma vida de
celebridade ao aparecer na TV mostrando seu consultório. O novo projeto
envolve uma entrada na carreira política em grande estilo. “Quero me
tornar senador pela Califórnia”, avisa. “Sou louquinho, mas conquistei
tudo o que queria até agora.”
FICHA
Conheça melhor o cirurgião badalado de 90210
Data de nascimento: 1/10/1961
Peso: 79,3 quilos
Altura: 1,83 metro
Família: casado desde 2000 com a canadense Hayley, de 37 anos. Tem dois filhos: Sydney, de 11, e Robby, de 8.
Formação: faculdade de química na Universidade do
Estado do Arizona; graduação em medicina na Universidade Tufts, em
Massachusetts; mestrado em políticas públicas pela John F. Kennedy
School of Government, em Harvard; especialização em cirurgia estética e
reconstrutiva pela Harvard Medical School
Casas: mansão de 800 metros quadrados em Beverly Hills.
A propriedade, avaliada em 6 milhões de dólares, pertenceu à atriz
Raquel Welch. Acabou de comprar um apartamento no Itaim
Carros: Maserati GranTurismo e Mercedes-Benz GL450
Marcas prediletas: Versace para ternos e camisas; Louis Vuitton para bolsas e malas
Perfume: CH, de Carolina Herrera
Livro favorito: a Bíblia (“Sou um cristão temente à vontade de Deus”)
Lucros com a medicina e a TV
1.500 cirurgias plásticas por ano lhe rendem 2 milhões de dólares
Cerca de 70 milhões
de dólares é o faturamento de seus sete licenciamentos (vão de cintas
modeladoras a cremes para a pele, todos vendidos nos cinco continentes).
Rey embolsa, em média, 15% desse total. Ou seja, cerca de 10,5 milhões
de dólares
38 milhões de
espectadores nos Estados Unidos era a audiência do programa “Dr. 90210”,
transmitido pelo E! Entertainment Television (no Brasil, foi rebatizado
de “Dr. Hollywood”)
1 milhão de dólares foi quanto ele diz ter gastado na reforma de sua cozinha
200.000 reais por mês é o valor que vai receber na RedeTV!, entre salário e participação comercial
Apenas para uma fina fatia!
Fonte: http://vejasp.abril.com.br/revista/edicao-2270/perfil-dr-hollywood