Enquanto
continuam pensando que a criatividade é um dom pessoal, as empresas
ignoram milhares de idéias que existem na cabeça de seus funcionários.
Este é um dos "leit motiv" de Edward de Bono, o criador do
pensamento lateral. Durante o seminário organizado pela HSM em Buenos
Aires, o especialista deu algumas pistas para o futuro das corporações.
"Os três elementos-chave no futuro serão a criatividade, a
competência e o capital", prognosticou. A eficiência e a solução
de problemas não mais serão suficientes, na opinião do
especialista, porque a linha econômica de base já não se mantém em
constante crescimento, inclusive podendo diminuir; e cada vez existem
mais pessoas que geram bens.
Muitas organizações operam sobre a base da manutenção e a solução
de problemas. Incluir a criatividade nos negócios é uma tarefa mais
complexa. Geralmente, se continua fazendo o mesmo de antes; e,
ocasionalmente, a continuidade se interrompe por fusões, aquisições
ou a cópia de idéias de terceiros. Hoje, criatividade, estratégia e
conceitos fazem falta.
A criatividade no poder
Um tipo de criatividade é a que utilizamos quando sabemos "aonde
vamos", mas queremos encontrar uma melhor forma de cumprir este
objetivo: menos custos de um modo mais eficiente. Em resumo,
procura-se melhorar. "No mundo ocidental, se considera melhoria a
solução de problemas. Os japoneses, por exemplo, não só corrigem
as coisas que estão erradas, mas também consideram aquelas que estão
corretas para melhorá-las", explicou De Bono. Um exemplo desta
prática é o da empresa Shell, em 1971, quando decidiu procurar uma
forma diferente de extrair petróleo, mesmo que já o fizessem de uma
forma eficiente. Assim, conseguiram triplicar o volume das extrações.
Também é necessária a criatividade ao analisar as informações. Às
vezes, acreditamos que as informações "vão pensar por nós",
mas não é assim. "Pensar é passar de uma configuração das
informações para outra. No futuro, será essencial combinar a
informação para gerar valor. Não é verdade que da simples análise
das informações se obtenham idéias. O cérebro só pode ver o que
está preparado para ver; por isso, é necessário que a idéia tenha
sido gerada antes na mente. A informação sem a inclusão de
possibilidades não gera idéias. A informação sem idéias é
fraca", explicou o professor.
No mundo dos negócios, três elementos estão se transformando em
commodities: competência, informação e tecnologia de ponta. A
diferença - assinalou - está em como tomamos estes elementos para
transformá-los em valor. Além de um certo ponto, a tecnologia não
gera valor. A tecnologia pode transmitir conceitos de valor, mas não
é, por si mesma, um valor. As empresas classificadas como
"ponto.com" que vão a falência não fracassam por falta de
tecnologia, mas porque a idéia comercial não era boa.
Uma dos motivos pelos quais a criatividade é necessária é que o
mundo muda constantemente e apresenta novos desafios e ameaças. A
criatividade pode ser empregada também para gerar um uso superior dos
ativos.
A solução de problemas é outra das
tarefas da criatividade
-
O
método tradicional, neste caso, é a análise: averiguar a causa
e solucionar o problema. Não se soluciona com mais análise, mas,
em muitos casos, também faz falta o projeto.
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A
imaginação criativa pode nos ajudar a prever o futuro, indicando
possibilidades.
-
Uma
extrapolação em linha reta do passado a respeito do futuro não
é suficiente. "A criatividade também é uma necessidade
matemática. Qualquer sistema com um aporte de informação ao
longo do tempo não será adequado".
-
Sem
que exista o conhecimento completo do futuro, não existe forma de
retroceder e corrigir", disse De Bono.
O
mito do bom pensador
É um mito acreditar que, se você é inteligente, será um bom
pensador. A relação entre inteligência e pensamento é potencial,
como a existente entre a potência de um carro e a habilidade do
motorista. Por si só, a inteligência não implica capacidade de
raciocínio.
Muitas pessoas são pegas na armadilha da inteligência: ficam presas
nas idéias pobres porque não podem defendê-las corretamente ou
utilizam sua inteligência só para comprovar que os demais estão
equivocados.
"Apesar de todo o investimento que se realiza na indústria de
softwares para PCs, não se fez nenhum esforço para desenvolver
softwares para a mente humana. Utilizamos o mesmo de 2.400 anos atrás",
afirmou De Bono.
O pensamento do Renascimento permitiu à humanidade usar a lógica e a
razão. Foi muito bem aceito pelos humanistas. Este passou a ser o
software padrão na sociedade ocidental.
-
O
grupo dos três, Sócrates, Platão e Aristóteles, foi responsável
por nosso atual pensamento.
-
Outro
pensamento que se transformou no software básico do pensamento
ocidental está relacionado com a identificação de situações
padrão; e quando as identificamos, sabemos o que fazer com uma
resposta programada. De acordo com De Bono, esta é a base de 100%
de nossa educação e 90% de nosso comportamento.
-
"Por
outro lado, o pensamento criativo se ocupa do que pode ser, não
do que é. Realmente, somos muito ruins nisto", reconheceu o
afamado especialista.
Nosso
tradicional hábito de discussão é ineficiente. Geralmente, uma
parte pensa que ganhou da outra; o assunto não é explorado. O
desenvolvimento do pensamento lateral realizado por De Bono ajuda a
sair deste tipo de discussão. Trata-se de que todas as partes se
focalizem em algum momento na mesma direção. Utilizam-se as metáforas
e os símbolos.
Os seis chapéus
Na sua análise do pensamento, De Bono utiliza o conceito dos chapéus
de distintas cores. Cada um destes representa uma das fases da inteligência.
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O
branco representa a informação: aquela a que temos acesso e
aquela a que não, perguntas que queremos fazer.
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O
vermelho representa o fogo, sentimentos, intuição e emoções.
Nos dá permissão para expressar sentimentos, emoções e intuições
sem ter que justificá-los.
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O
preto é como a toga do juiz. Está relacionado com a cautela, a
avaliação de risco e crítica. É o mais utilizado. O cérebro
está muito acostumado a detectar a não correspondência. É
excelente o preto, porém corremos o risco de usá-lo em excesso.
-
O
chapéu amarelo é associado ao sol: otimismo, valores, como fazer
que as coisas aconteçam. Não é natural para o cérebro. Temos
dificuldades para perceber o valor. Sem a noção de valor, a
criatividade é uma perda de tempo.
-
O
verde é como a vegetação: simboliza o crescimento e a energia.
É a criatividade. Todos devem fazer um esforço para serem
criativos. Para procurar modificações, possibilidades.
Estabelecer hipóteses é fundamental. Na tecnologia, a
possibilidade é visão. Na educação, não se dá a atenção
devida às hipóteses que são a base da ciência.
-
O
azul simboliza o céu: é o controle da organização, dos
processos e da supervisão.
"Quando
utilizamos os seis chapéus, temos mais poder porque todos utilizam
seu pensamento e inteligência na mesma direção e não discutem com
os demais. A discussão é um sistema extremamente ineficiente. Com
este método, todos olham o objetivo, não consideram o que outra
pessoa falou ", afirma De Bono.
Além disso, esta técnica elimina a questão do ego, o problema mais
importante relacionado ao pensamento. Com os chapéus, esta trava não
existe. Se uma pessoa quer se vangloriar de si mesmo, não o faz
ganhando uma discussão, mas o faz conseguindo um melhor desempenho
com cada um dos chapéus.
Outro motivo para usar os chapéus é a separação. "Quando
pensamos, fazemos tudo ao mesmo tempo. Com os chapéus, fazemos uma
coisa por vez: sermos cuidadosos, intuitivos etc. Isso é melhor para
otimizar o uso do cérebro, uma vez que o pré-sensibilizamos para
cada uma das tarefas. Existe uma razão fisiológica", assegurou
De Bono, remetendo aos seus estudos iniciais de medicina.
Dois tipos de usos para os chapéus
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Uso
único: o chapéu se transforma no símbolo de um tipo de
pensamento. Utiliza-se em certo momento um chapéu, de acordo com
a situação que o requer.
-
Uso
seqüencial: estabelece-se uma seqüência de chapéus e se
utiliza um por um. É melhor determinar a seqüência de antemão.
Se bem que a ordem pode ser mudada de acordo com a situação, o
consultor fez algumas considerações a respeito. É conveniente
começar e terminar com o chapéu azul. Geralmente, é melhor
empregar o amarelo antes do preto, ver os valores antes de se lançar
à crítica. Depois disso, se emprega o verde para superar as
dificuldades. Também é importante empregar o vermelho depois do
preto, porque alguma idéia que não é aceitável pode nos
agradar igualmente. No final, depois do chapéu azul, pode-se
voltar a empregar o vermelho para ver se estamos de acordo com o
processo.
Percepções
erradas
De Bono também rebateu as percepções erradas acerca da criatividade
e assegurou que não se trata de um privilegio de poucos, mas que
todos têm a possibilidade de desenvolvê-la.
Algumas das falsas idéias que rebateu o pai do pensamento lateral:
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A
criatividade só tem a ver com a arte; se você um não é artista,
não pode ser criativo. Porém, De Bono assegura que a arte é só
uma parte da criatividade.
-
A
criatividade é um talento que só alguns poucos têm. "Se não
fazemos nada a respeito da criatividade, dependerá só do talento
natural. Geralmente, diz-se que se você está inibido não pode ser
criativo. Não é assim, estando desinibido também não consegue.
É preciso se capacitar para aumentar o potencial", explicou o
especialista.
Por
muito tempo - assinalou De Bono -, tratou-se de compreender a
criatividade em um universo de informação equivocado. Criatividade e
informação funcionam em dois universos separados. O cérebro deve
ser estimulado, sua excelência está em poder organizar as informações
recebidas em padrões de rotina.
"O humor é uma das atividades mais significativas do cérebro.
Quando se trata de criatividade, vamos pelo caminho principal e, de
alguma forma, nos movemos para o caminho lateral", explicou o
especialista em inovação durante o seminário.
De acordo com o guru, cada idéia criativa sempre é lógica quando se
olha retrospectivamente. A menos que compreendamos os sistemas de padrões
assimétricos, não entenderemos a criatividade, já que ela consiste
em organizar a informação neste tipo de padrões.
Como desenvolver o pensamento lateral
Os processos para por em prática a criatividade foram abordados
generosamente por De Bono, que inclusive realizou exercícios com os
participantes do seminário. Entre as distintas técnicas para se
chegar ao pensamento lateral, o especialista mencionou o desafio, as
alternativas e a provocação, o mais poderoso dos mecanismos que, por
sua vez, é o mais distanciado do pensamento padrão.
1) DESAFIO
O desafio implica no abandono do enfoque usual, do modo habitual de se
fazer as coisas. É uma atitude mental, uma disposição a questionar
as coisas. A questão implícita é: Existe outra forma de se fazer as
coisas?. Questiona-se através do "por que" a singularidade
de um produto, por exemplo, as razões de suas características e se
existe outras formas alternativas de fazê-las.
Um caso que serviu a De Bono para exemplificar esta técnica foi o de
uma taça de vinho. Primeiro, ele questionou a necessidade de haver
uma borda para se tomar o vinho. A resposta foi que sim, era necessário;
mas não totalmente. Logo, ele perguntou as razões pelas quais a
borda da taça devia ser redonda. Tendo em conta as técnicas de
fabricação de taças através do vidro soprado, utilizado
tradicionalmente, concluiu que ali estava a causa. Porém, hoje pode
se fazer uma taça só com uma parte da beirada. Desta forma se
evitaria que nas taças altas o nariz toque a borda. "Trata-se de
criar valor, não de resolver problemas", resumiu.
O especialista assegurou que existe uma lista de itens rígidos que
ainda falta questionar:
-
A
idéia dominante, as fronteiras (sempre utilizamos fronteiras ao
pensar, assegurou), as suposições ("Não se pode pensar sem
elas, o pensamento é uma suposição que se apóia em outra e em
outra. Mas podemos ser conscientes delas e desafiá-las",
disse), os fatores essenciais e as tendências polarizantes.
-
Apesar
da ênfase nos questionamentos, De Bono reconheceu que, na prática,
é difícil realizar esta tarefa, porque só prestamos atenção
aos problemas.
2)
ALTERNATIVAS
Esta técnica determina que por trás de toda alternativa, existe um
conceito. O conceito brinda a flexibilidade, é uma parte-chave do
pensamento. Este enfoque do pensamento lateral é como um efeito
cascata. "Temos um objetivo, direções possíveis para abordá-lo;
conceitos para cada direção e idéias para cada conceito. O aspecto
específico é a idéia, o conceito é a raiz, e a direção é o
caminho. Mas isso é considerado de trás para a frente: direção,
conceito, idéias", explicou o guru. Um caso que ele explicou ao
público foi o da falta de pessoal qualificado. Uma possível direção
seria incrementar a produtividade do pessoal que temos, através da
melhor utilização do tempo, fazendo com que se esforcem mais
(concretamente, com horas extras ou incentivos). Outra direção possível
é a de reduzir a necessidade de gente qualificada. Outras
alternativas podem ser avaliadas.
3) PROVOCAÇÃO
É
a forma mais poderosa do pensamento lateral. Significa colocar uma idéia
intermediária distinta das demais. O pensamento sai do caminho
tradicional para encontrar distintas alternativas, a fim de chegar a
destino. Logo, visto em retrospectiva, o caminho alternativo resulta
em ser completamente lógico. A técnica implica em passar de uma posição
estável através de uma instável para outra estável. Às vezes,
para chegar a uma posição, é melhor se locomover primeiro para
outra, para chegar, então, a partir desta posição. "A provocação
nos permite ser loucos, mas de uma forma controlada",
acrescentou.
Existem duas etapas: preparar a provocação e utilizá-la. Para este
segundo passo, trabalha-se com o movimento. "O movimento é um
processo diferente da razão. Na razão, quando chegamos a uma idéia,
se esta não é correta, a descartamos. A razão se ocupa do que é ou
não é. Porém, o movimento se ocupa de aonde nos levam as coisas.
Chegamos a uma idéia e, caso ela não seja correta, igualmente vemos
aonde ela conduz e seguimos em frente", esclareceu o
especialista.
Distintas formas de lograr o movimento:
-
Encontrar
o conceito, princípio ou característica. Toma-se um conceito e
se constrói uma idéia em torno dele.
-
Concentrar-se
na diferença. Neste sentido, De Bono comentou que uma das frases
"assassinas" das boas idéias seria: "É o mesmo
que...". É uma armadilha, tendo em vista que, em última
instância, caso se passe a um nível suficientemente amplo, todas
as coisas são iguais.
-
Instante
a instante. Ver a provocação em ação.
-
Ver
os aspectos positivos. É quase como usar um chapéu amarelo.
Utilizar aspecto o positivo e agregar valor.
-
Circunstâncias
especiais. Significa detectar se, para uma provocação, existe
uma circunstância particular que possa gerar mais valor.
"Podemos ter uma idéia não muito interessante e depois
considerar um conceito a partir do qual possamos encontrar uma idéia
que tenha valor. O movimento é a disposição de nos movermos
para frente", explica De Bono.
Fontes
de provocação
A provocação pode nascer de duas origens diferentes:
- Surgimento: Surge de forma espontânea. Não procura
deliberadamente ser uma provocação, mas é tratada como se fosse.
- Deliberada: É uma forma sistemática e formal de demonstrar
provocações.
Neste último grupo existem varias técnicas:
-
A
fuga: Detecta-se algum aspecto que se dá por concluído, e depois
é cancelado. Por exemplo: uma provocação pode ser pensar em um
restaurante sem comida. A partir disso, se procura uma alternativa
que gere uma nova idéia: por exemplo, um espaço onde as pessoas
recebam um serviço completo de atendimento e utensílios necessários
etc., e onde as pessoas levem sua comida, como se fosse em um
piquenique.
-
Investimento:
Outra das formas de conseguir a provocação consiste em
raciocinar da forma oposta à lógica. Um tema poderia ser em vez
de pensar como diminuir determinados componentes do cigarro
(tabaco, alcatrão), tratar de imaginar como acrescentar, por
exemplo, ar.
-
Exagerar:
Tomar o nível habitual da medida e exagerar para mais ou para
menos. Nas Olimpíadas de Los Angeles, conseguiu-se um grande
impacto graças a esta técnica . Em vez de utilizar uma única
tocha, como é habitual, utilizaram-se mil tochas.
-
Distorção:
Mudança na relação. Em vez de ABC, ACB.
-
Desejo:
São coisas que imaginamos. É menos automática que as outras.
"O
movimento é o mesmo, não importa qual seja a fonte da provocação",
explicou o consultor, para quem o pensamento lateral é uma ferramenta
formal indispensável para se gerar, de forma deliberada, novas idéias.
Na história, idéias poderosas muitas vezes foram desencadeadas por
acontecimentos aparentemente aleatórios.
"Como fazemos para ter um ponto de partida sem escolhê-lo? Uma
forma é procurar uma palavra ao acaso e evitar assim os mecanismos de
rotina do cérebro. A preferência de padrões a partir da periferia
é diferente da que temos a partir do centro. É assim como funciona a
expressão "ao acaso".
Indo a partir da periferia, em um sistema de padrões, chegamos a
caminhos distintos dos que podemos atingir a partir do centro",
explicou De Bono.
Muitas pessoas acreditam que a criatividade é somente um
brainstorming. "Também se pensa que é somente uma tarefa
realizada em grupo. Porém, ele pode ser utilizado por uma só pessoa.
Na Universidade de Wisconsin, foi comprovado que as pessoas criativas
produzem mais sozinhas", assegurou o especialista, para quem, nas
organizações, a criatividade se resume em uma expectativa ou um
risco.
Apesar da grande ênfase que é atribuída hoje à criatividade dentro
das empresas, já não se duvida de que seja uma vantagem competitiva;
o guru reconheceu que, em muitos casos, levar estas técnicas na prática
não é fácil. "Estar a favor da criatividade não é
suficiente. A tarefa de todos é tarefa de ninguém. Por isso,
acredito que é importante que se nomeie um Campeão do processo, uma
pessoa que, sem ser a mais criativa ou brilhante, atue como nexo das
boas idéias dentro da organização", recomendou o especialista.
Deve ser alguém que tenha muita energia e boas relações dentro da
empresa e que se possa dedicar a reunir idéias e difundi-las dentro
da organização. A pessoa criativa está demasiadamente concentrada
em gerar as idéias, assim como em se ocupar desta missão, que também
é vital.
A criatividade no tempo
De acordo com o especialista, existem dois tipos de criatividade.
-
A
Cotidiana se refere à disposição natural para procurar
alternativas e questionar as coisas.
-
A
Específica, por outro lado, implica um desejo explícito de
criar. "Trata-se de dizer neste momento que estou sendo
criativo", explicou o especialista. Nesse caso, existem dois
tipos de enfoque. Pode-se enfocar o propósito ou finalidade: ou
seja, um objetivo direto para resolver um problema. Também se
pode enfocar a área. Não existe uma finalidade específica,
define-se a área na qual se deseja gerar idéias. Sem nos
focalizarmos nas áreas, geralmente tendemos a pensar somente nos
problemas. "Com este outro enfoque, podemos pensar em
qualquer coisa. Ele é mais amplo. O enfoque na finalidade sempre
fica dentro do pensamento existente", aclarou De Bono.
"É
difícil propor idéias sem pensar nos problemas. As necessidades
criativas não existem até que as fazemos existir. As organizações
devem ter uma lista de necessidades criativas. Não mais de um terço
dela devem se constituir de problemas. É uma forma prática de
incorporar a criatividade na organização", comentou.
Estefanía Giganti e Paula Boente
Veja
a seguir as perguntas e respostas feitas ao guru durante o seminário
na Argentina:
-
Já
que existem diferenças culturais a respeito da geração de novas
idéias, como trabalham os argentinos neste sentido?
Não fiquei tempo suficiente no país para responder com maior
precisão à pergunta. Porém, suspeito que os argentinos têm um
elemento em comum com os italianos: a necessidade de que suas idéias
obtenham a aprovação de seus amigos.
-
Se
você fosse o responsável pela área de Recursos Humanos de uma
organização, que medidas tomaria?
A função de Recursos Humanos está relacionada com dois
aspectos: dirigir pessoas e suas carreiras e desenvolver indivíduos.
Neste sentido, a primeira medida seria ensinar os trabalhadores a
pensar. Este é um recurso muito pouco utilizado; se não aproveitássemos
o capital na mesma forma, seríamos despedidos. Na África do Sul,
um de meus assistentes trabalhou com mineiros analfabetos,
ensinando-os a pensar. O número de brigas entre eles diminuiu de
21 para 4 e sua produtividade aumentou. Algumas mudanças podem
gerar imensos benefícios. Fazer esforços para melhorar o
pensamento individual.
-
Que
fatores na organização impedem o desenvolvimento da
criatividade?
A criatividade não acontecerá, a não ser que ela represente uma
expectativa da alta gerência. Existe, ademais, uma falha na
linguagem. Quando uma pessoa põe uma idéia em prática e ela não
funciona como se esperava, diz-se que houve um erro; mas muitas
vezes não é assim. Existem empreendimentos que, mesmo que não
tenham êxito, estão plenamente justificados. É necessário
premiar este esforço. Outra das travas é a complacência:
"se os resultados foram bons até agora, por que teríamos de
trocar a forma pela qual fazemos as coisas?" A política da
simples manutenção e a resolução de problemas gera maior
dificuldade para o desenvolvimento da criatividade na empresa.
-
A
Economia teve um grande desenvolvimento nos últimos tempos,
acredita-se que se produziu uma evolução similar no modo de
pensar?
Provavelmente, sim. Existe um enfoque global nos negócios, e as
pessoas também lêem os mesmos livros. Isto não é
necessariamente ruim. Apesar do pensamento global, existem diferenças
locais. Por exemplo, enquanto na Itália se destacam as PeMEs como
motores da Economia; na Alemanha, o fazem as empresas de prestação
de serviços médicos de 500 funcionários; e, na Finlândia, são
as grandes empresas como a Nokia.
-
Como
serão as escolas nos próximos anos?
Entre 1900 e 2000, um dos aspectos que menos mudou foi a Educação.
As escolas deveriam ensinar a pensar. A qualidade do futuro
depende da qualidade do pensamento. O pensamento deve ser também
construtivo, só pensamento crítico não é suficiente.
Trabalhando com jovens, detectei que eles geralmente pensam que
basta identificar um inimigo. Dessa forma, não faz falta pensar
mais, tudo passa a ser culpa desse inimigo. Isto não leva a
nenhum progresso, é uma desculpa para não se pensar mais. O
pensamento deveria ser uma matéria central. A esta, devemos
acrescentar a operacionalidade, a habilidade de fazer, porque o
conhecer não é o bastante. Tem-se demonstrado que os jovens que
têm hobbies na escola têm mais sucesso posteriormente em suas
vidas. Outro aspecto importante que deve ser ensinado é a criação
de valor na sociedade. Muitos jovens conhecem os nomes das esposas
de Henrique VIII, mas não sabem como funciona o estabelecimento
da esquina. Por último, acrescentaria o comportamento de
sistemas, saber como funcionam os sistemas. A educação requer
uma revisão profunda. O sistema está paralisado.
-
Como
pode uma empresa independente aplicar o pensamento lateral para
competir em um mercado monopolizado?
É muito difícil para uma empresa grande defender todo o seu
território. A pequena ou média empresa deve então procurar o
nicho, aquilo que pode fazer melhor do que a mega-organização.
Por exemplo, se for um fabricante de chá, pode fazer saquinhos
menores para aqueles que não querem o chá tão forte. Este
produto não seria tão massificado para ser vendido pela empresa
de grande porte.
-
A
criatividade é aplicável a todas as áreas? Como pode ser
aplicada naquelas áreas que são pouco flexíveis?
Alguns aspectos devem ser rotinas em uma organização. O resto,
aquilo que não é completamente rotina, implica na criatividade.
Naquelas áreas que correspondem ao primeiro caso, é possível
aplicar a criatividade para verificar que as práticas utilizadas
são as melhores.
-
Quando
o tempo é escasso, como é possível aplicar a criatividade?
O pensamento não requer muito tempo. Existem dois tipos de
pensamento: o urgente, que permite resolver os problemas
imediatos, e o importante. O urgente muitas vezes se expande e
tende a ocupar todo o tempo disponível, deixando de lado o
importante. Nas empresas, espera-se que as pessoas estejam
constantemente ocupadas. Devemos estruturar nosso pensamento e
nossa atividade de forma a deixar algum tempo ao pensamento
importante, que pode ser somente 5% (cinco por cento).
-
De
onde deve partir a criatividade, necessariamente da alta gerência?
A diretória e a alta gerência fixam a cultura e a estrutura, e
devem determinar que a criatividade é importante e que será
reconhecida; então, todos trabalharão nas idéias. O
reconhecimento é fundamental.
-
Os
funcionários criativos podem desestabilizar o organograma da
empresa? Podem ser vistos como uma ameaça?
O sentido da criatividade é gerar idéias. Uma vez que se têm as
idéias, utiliza-se a razão para decidir qual utilizar, qual é
mais valiosa para a organização e quais são os riscos e os
ganhos possíveis, no caso de utilizá-las. O perigo de produzir
desestabilidade por causa da criatividade não é real, uma vez
que a razão é a que decide em última instância.
-
Qual
é o ambiente propício para a criatividade? Como se consegue que
seja um recurso constante na organização?
A criatividade é um hábito mental. O aspecto-chave do ambiente
no trabalho para incentivá-la é a expectativa de criatividade. A
isto deve ser acrescentada a possibilidade de debater idéias e o
fato de saber a quem recorrer para apresentá-las.
-
Como
pode ser aplicado o pensamento lateral na venda de produtos de
massa?
Muitas vezes, foi utilizada a técnica dos seis chapéus para a
inter-relação entre os vendedores e os clientes. Ele oferece um
marco favorável para a interação com as pessoas. O sistema
oferece um valor a mais aos vendedores, tendo em vista que ao
dispor de uma estrutura para a interação com o cliente, seu
discurso será mais efetivo.
-
O
que o senhor recomendaria para se vencer o medo de ser criativo?
Os temores habituais são dois. Em primeiro lugar, o de se propor a
ser criativo e não obter resultados. Neste caso, é preciso
recordar que a atitude em sim já é importante, e que cedo ou tarde
a pessoa terá seus frutos. Um segundo temor é que a idéia
proposta não agrade aos demais, o que não significa que seja uma má
idéia. A criatividade tem a ver com a confiança. Podemos ter
pequenas idéias, mas que sejam criativas. É importante provar se dá
resultado. Um experimento com estudantes demonstrou o papel
fundamental da confiança. Foram Recrutados três grupos de jovens.
Ao primeiro grupo foi dada uma bebida alcoólica, mas sem que eles
soubessem; ao segundo, foi dito que eles tinham bebido algo alcoólico,
mas isso não foi verdade; e ao terceiro, não foi dado nada, e também
não foi explicado coisa alguma. Em seguida, foi solicitado que eles
tentassem ter idéias criativas. Aqueles que pensavam que tinham
tomado bebida alcoólica foram os que tiveram os melhores
resultados. Tenho pensado em fabricar o "Elixir De Bono":
será um vidrinho que contém apenas suco de espinafre, porém com
certeza animará às pessoas a serem criativas.
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