Durante o
mês de setembro de 2014, Kelly Cristiane dos Santos, estudante do 2° semestre
do Bacharelado em Comunicação Organizacional da UTFPR, entrevistou durante a
atividade complementar denominada como: Curso
de Extensão em Prática Jornalística, a Sra. Sônia Ana Charchut Lesczczynski, Chefe do Departamento de Educação da PROGRAD
- Pró-Reitoria de Graduação e Educação
Profissional. O PROGRAD é o órgão superior da Reitoria, responsável por
planejar, coordenar e supervisionar a execução de atividades do ensino de
Graduação e Educação Profissional. O tema central da entrevista girou em torno do Programa de implantação das cotas sociais na Universidade Tecnológica Federal do Paraná. O curso de Extensão em Prática Jornalística é ministrado pela estudante de Jornalismo, Camila Cassins e pelo Professor, Doutor em Jornalismo Marcelo Fernando Lima. Ambos da UTFPR.
Entrevistadora: Boa tarde! Estou aqui na UTFPR com a professora Sônia Ana Leszczynski, Chefe
da PROGRAD. O motivo da minha visita ao departamento é justamente conversar com
esta autoridade sobre a lei n° 12.711/2012; A Lei das Cotas. Esta lei garante
50% das matrículas nas universidades e instituições federais para alunos
oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da
educação de jovens e adultos e para universitários negros, índios, pardos e também cidadãos comprovadamente oriundos de famílias de baixa renda.
Sônia
comente-nos sobre você e o seu trabalho realizado na UTFPR. E como é feita a
distribuição das cotas aqui na universidade?
Entrevistada: - Eu sou a atual chefe do Departamento de Educação junto a
PROGRAD, Pro Reitoria de Graduação e Educação Profissional da Reitoria na
UTFPR, aonde a gente tem alocado os núcleos de ensino, o núcleo de apoio
psicopedagógico, o núcleo de saúde e o núcleo de apoio às pessoas com deficiências.
Está tudo atrelado aqui. À questão
da assistência estudantil sempre existiu na UTFPR, se a gente for pegar a
história da instituição, desde o inicio... A UTFPR foi fundada em 1909, e tem
na sua Lei de criação a questão dos «desvalidos da sorte». Na instituição
criada pelo Nilo Peçanha, lá estava escrito as palavras: “desvalidos da sorte”,
ou seja, era uma forma que eles chamavam as pessoas de baixa renda. Isto no
início do século XX, onde a preocupação era que esses estudantes, aprendessem
um ofício na escola de artífice aprendiz. Depois com o tempo, foi mudando de
nomes e mudando sua perspectiva. Mas nunca deixou de atender a essas pessoas
carentes, inclusive houve uma época que ao entrar no CEFET existia o PEB, um
programa onde os professores desta instituição preparavam
os estudantes de baixa renda para o exame.
Entrevistadora - Há
quanto tempo que a senhora está trabalhando aqui?
Entrevistada: São 30 anos, e esse PEB, o qual mencionei anteriormente, foi
executado durante a década de 80, aonde os próprios professores ofereciam aulas
preparatórias para os alunos cujos requisitos básicos exigiam que tivessem
baixa renda. Eles eram inclusive selecionados pelos holerites dos pais e os
professores trabalhavam voluntariamente para prepará-los a fim de prestarem concurso
na UTFPR, ou CEFET como chamávamos naquela ocasião. Então, quando a gente
passou a ser uma universidade tecnológica, inclusive, foi durante uma época de
vestibular, tudo começou a mudar lentamente, porque havia um perfil mais
elitista enraizado na historiografia da instituição. Pois aqui
predominava os estudantes da própria elite. Desde 2008 quando veio à questão do
ENEM e SISU a instituição aderiu, e implantamos 50% de cotas sociais. Porém
naquele período as cotas de 50% eram mantidas somente na primeira e segunda
chamada. Em 2010 já existia o programa de Assistência Estudantil, que migrou
para PROGRAD e para a Reitoria de Graduação e Educação Profissional. Então
fizemos um estudo e propomos para o conselho universitário que em todas as
chamadas houvesse alunos cotistas.
Entrevistadora: - Então, atualmente vocês estão conseguindo manter o índice
de 50% das cotas sociais ou o crescimento desta implantação tem ocorrido
gradualmente?
Entrevistada – Sim. Atualmente estamos conseguindo manter os 50% e em todas as
chamadas. Não sei se você como aluna, conseguiu participar da chamada nominal?
A gente faz a primeira e segunda chamada e depois tem a chamada nominal. Na
chamada nominal, convocamos três vezes o número de vagas que temos disponíveis
e à medida que as pessoas vão preenchendo os requisitos vamos fechando as
matrículas. Mas também nesse número, são preservados à questão das vagas
destinadas aos alunos cotistas. Em 09 de maio de 2013, quando veio a Lei 289
publicada em 13 de maio, sancionada, assinada e vinculada no dia 09, mas que só
foi publicada na segunda-feira dia 13... Naquele fim de semana respondi mais de
duzentos e-mails! Porque as pessoas já estavam perguntando sobre a questão do
PBP (Programa de Bolsa Permanência). O problema da bolsa permanência dos alunos
onde existe cota é a divisão dos diferentes tipos de cotas e para onde a cota
será destinada, quando dá exclusividade para índios e negros. E a UTFPR aceitou
de imediato! Porém, há neste programa do governo federal regras diferenciadas
para um determinado tipo de bolsa como a PBP, onde a UTFPR não a implanta 100%,
porque alguns cursos para receber este auxílio do governo federal exige a carga
horária de 5 horas/aula diárias, o que quase praticamente nenhuma grade no
Brasil, exibe. Na UTFPR, temos 33 dos cursos ofertados que atendem a este
programa, então nós já possuímos alunos da bolsa PBP.
Entrevistadora - Qual a rotina de trabalho do setor em relação à
comunicação com os estudantes cotistas aqui na instituição?
Entrevistada: - Como o nosso trabalho aqui se volta mais ao
desenvolvimento da política. O contato com o aluno em si, ocorre quando a gente
vai atrás. Você é testemunha de que eu vou atrás, justamente porque trabalhamos
na ponta, na decisão das questões políticas. Precisamos saber como os cotistas,
que é o nosso maior objetivo, estão sendo acolhidos? Como estão adaptando-se
dentro da universidade? Inclusive para colocarmos em prática os programas que
precisamos potencializar. Porque todo este processo ainda é relativamente novo,
e nós temos duas entradas anuais. Nós não temos um contingente efetivo de
técnicos administrativos que trabalhem, direcionados somente para isso, embora
estejam preparados, e estruturados também. Temos à disposição, assistentes
sociais... Já tínhamos psicólogos, já tínhamos pedagogos, atuantes pelo NUAPE
(Núcleo de Apoio Administrativo e Pedagógico). É o NUAPE, quem faz este
atendimento, mas ainda, é um trabalho burocrático... Porque, sabe-se, o quão é
infinito o número de documentos necessários para o aluno entregar, e esta
análise ainda é feita manualmente, mas, a partir do momento em que esta
operação for informatizada, vai ser muito mais fácil agilizar todo o processo,
a partir disso, vamos implantar os outros programas que já possuímos. Por exemplo:
pode-se, precisa-se e deve-se, implantar o acompanhamento. Como havia dito, o
que já existe, é feito pelos NUAPE, de cada um do campus, porém mais coisas
precisavam ser feitas.
Entrevistadora - De onde venho à decisão de iniciar todo este processo
sobre a implantação das cotas?
Entrevistada: - A questão da implantação das cotas foi uma política das atuais
direções da reitoria da universidade.
Entrevistadora: - E, de onde surgiu a decisão de iniciar o Grupo de Pesquisa
referente às cotas?
Entrevistada: - A questão das pesquisas, eu posso dizer que o Departamento de
Educação é quem vai atrás. Somos bastante incentivados pela PROGRAD, o nosso
Pró-Reitor de Educação Profissional, é uma pessoa bastante sensível ao assunto,
que nos incentiva na realização destas pesquisas, para identificar os números
de evasão. Procuramos por dois números principais: o de evasão e o de retenção,
aonde se encontram os bolsões da universidade. Temos verificado que esse número
não é exclusivamente dos alunos cotistas, e esta foi à alegria. Fico muito
feliz com isso, porque como a gente conduziu uma pesquisa bastante singela, não
obtivemos a profundidade que gostaríamos. Ao analisarmos os dados de 2008, onde
o ingresso ainda era exclusivamente por vestibular, embora já tivéssemos as
cotas, então, analisamos da seguinte maneira: o maior escore de alguns cursos,
o maior escore de alunos não cotistas, o maior e o menor escore, em comparação
ao maior e ao menor escore dos alunos cotistas ingressos. Resultou que este
maior escore de aluno cotista muitas vezes era igual ou inferior ao menor
escore de alunos não cotistas no ingresso. Mas à medida que fomos tentando, ao
fazer o acompanhamento percebeu-se que esta curva mudava de proporção, ou seja,
ela se deslocava de uma maneira tal, o qual percebeu que não eram esses os
motivos da evasão, por exemplo, não era o fato de o aluno ser cotista, claro, havia
alunos cotistas que desistiam, mas não era o único fator. Então, esta evasão
não é exclusiva de alunos cotistas, ocorrem por outros problemas, a partir
desses dados conduzimos um trabalho e atualmente temos uma comissão que irá
fazer uma investigação bastante profunda em todo o campus para termos uma real
noção dos números de evasão.
Entrevistadora: - Com esta resposta você adiantou a respeito de uma pergunta
que lhe vou formular: sobre como é tratada a evasão dos cotistas na UTFPR? Pois, eu, como estudante e
cotista, observo em sala de aula, que alguns colegas, classificados cotistas ou
não, desistem do curso por seus “n” motivos, ou seja, o índice de evasão é
independente da condição de cotista.
Entrevistada: - Exatamente.
Entrevistadora: - Eu observo que os motivos da desistência dos
estudantes são variados: alguns desistem logo ao começar o curso após
satisfazerem a curiosidade. Outros acham que o curso não corresponde às suas
expectativas e por este motivo o deixam, e ainda há pessoas que trocam o curso
por uma nova oportunidade e terminam saindo da universidade.
Entrevistada: - Então, por isto que eu fiquei muito interessada em falar
com você, pois não tínhamos nenhum contato tangível com alunos negros e pardos.O nosso
estudo, a nossa pesquisa tem sido mais direcionada ao aluno cotista de uma
maneira geral. Resultando apenas em como esse grupo se enquadra dentro da
UTFPR. Nós já tínhamos uma perspectiva de que iria acontecer problemas na
questão do ENEM - SISU. Por quê?
Porque essa é uma proposta para uma cultura norte-americana, ou européia, e a
cultura brasileira não esta preparada pra isto. Não só com a cultura social, eu
digo, desde a cultura familiar, as pessoas não se afastam muito do seu seio
familiar, os estudantes adolescentes, não estão preparados. As famílias não
orientam os seus filhos para migrar e residir nem que seja temporariamente numa
outra localidade, até porque nós somos educados muito dependentes, há uma
dependência que se cria no âmbito familiar. Então, muitos dos casos que acompanhamos
até aqui, estão relacionados com a depressão, é tanto ocorre com os rapazes,
como com as moças, às vezes para os rapazes é ainda pior. Ele não sabe se
organizar, não têm independência e isso traz problemas, que acabam afastando
esse jovem da universidade. Às vezes não são somente os problemas acadêmicos
que os estudantes encontram, é uma questão de sobrevivência, muitos não sabem
"se virar", e não estão preparados para a vida universitária. Se a
gente for visualizar nos dados do IBGE a longevidade da permanência do cidadão
brasileiro na casa da sua família é quase que um contra senso com o que se
propõe para o ingresso no ensino superior. Então o jovem vai envelhecendo, e
com 25, 30 anos, ele ainda está lá morando com o pais, muitas vezes segue extremamente
dependente de questões simples e básicas, resumindo: não sabem fritar um ovo.
Por outro lado, as nossas instituições também não são preparadas em termos de
moradia, e isso é uma fator ruim, quase não existem moradias universitárias,
são raras. Enquanto fui diretora de Relações Internacionais, acompanhei muito
de perto a questão que envolve a tentativa de alugar apartamentos, para a
acomodação de estudantes universitários, porque os alunos vinham de outras
cidades e queriam locar apartamentos, porém, a nossa lei de inquilinato é
severa, e dificulta a vida do cidadão de uma forma incrível. Então, imaginemos:
- um rapaz que de repente olha no mapa e decide: “eu quero morar, estudar no
Paraná!" Ele vem, por exemplo, lá do nordeste e quer conhecer, outra
cultura, é como se fosse viver num outro país, quando o cidadão chega aqui, vai
ter que lidar com todas essas adaptações e burocracia. Ás vezes quando algum
familiar consegue vir junto, acabam se estabilizando melhor a nova situação.
Por sorte, a maioria dos estudantes universitários, não vêm sozinhos, até
porque não conseguem um avalista e posteriormente, não conseguem um apartamento
para alugar. Esses são outros dados, que precisam ser levados em consideração,
não apenas o fator acadêmico.
Entrevistadora: - Como foi o retorno obtido dessas suas pesquisas iniciais
até o presente momento e quais são as dificuldades?
Entrevistada: - As dificuldades é que como tem um contingente pequeno de
pessoas trabalhando não estamos conseguindo a contento desenvolver todos os
programas que seriam necessários para um bom funcionamento, tanto do ponto de
vista para o aluno, quanto para os docentes. Hoje em dia, o perfil da
instituição educacional mudou, porque há um tempo o sujeito buscava informação
predominantemente na universidade. Atualmente, a informação circula livremente,
chega ao cidadão via celular, o acesso à informação é maior, e um professor
precisa preparar-se, para acompanhar esse fluxo. Então o papel deste
profissional em relação a aquelas antigas aulas somente expositivas precisa
mudar. O professor necessita conter o aluno atuante junto a ele, e atento em
sala de aula, para que freqüente a instituição a fim de esclarecer suas dúvidas
e complementar seus conhecimentos. Acho que é isso que está faltando.
Transformar a informação em conhecimento que possa ser efetivamente aplicado na
prática profissional e pessoal também.
Entrevistadora: - Quais as expectativas para o futuro em relação à
implantação da Lei das cotas na UTFPR, e o trabalho desenvolvido com as
minorias?
Entrevistada: - A UTFPR, tem inclusive, outra comissão trabalhando que vai
implantar as cotas para pessoas com deficiências, que não é fácil, porque se a
gente não está preparada para este público dito normal, entre aspas, imagine o
tratamento especial que exige às pessoas com deficiências, que não é o público
o qual qualquer professor, ou cidadão saiba lidar. E lá vem mais uma questão da
cultura brasileira, que por muito tempo os escondeu no armário. Então isto é
também um novo desafio. O que a gente espera? Que possamos cada vez mais
incluir as pessoas, através de programas que às auxiliem como estudantes.
Claro, que existe todo um condicionamento por sermos uma instituição pública.
Reconhecemos que o ensino fundamental e médio está defasado, mas não podemos
nos deixar influenciar, e aguardar que essa base educacional se reorganize para
posteriormente receber esse aluno despreparado no ensino superior. Antes que
esse aluno, chegue, ingresse no campus, pergunto o que nós, da instituição, precisamos
fazer pedagógica e especialmente para recebê-lo e integrá-lo ao nosso convívio?
Quais programas precisaram incrementar para que o aluno cotista ingresse na
universidade e construa sua vida universitária, uma vida que vai prepará-lo
para além da profissão, para o seu crescimento pessoal. O estudante não pode
ser como uma "maquininha" que liga e desliga quando sai do campus.
Então, temos como base, preparar o estudante independente da área que ele irá
futuramente atuar, pois ele terá que trabalhar em grupos, em alguns casos terá
que exercer a liderança, terá que saber se comunicar com as pessoas, e adquirir
autonomia para administrar tudo isso. Estamos trabalhando sobre isso, mas ainda
não chegamos ao ideal. É por isso que eu fiquei muito entusiasmada em querer
criar algo com vocês, estudantes universitários cotistas. Se vocês quiserem
participar...
Entrevistadora:
E os estrangeiros estão incluídos neste grupo?
Entrevistada: Poderia. Eu
iria adorar. Já trabalhava com estrangeiros, no tempo em que eu atuava como
Diretora de Relações Internacionais, na ocasião, tinha o que eu chamava de
curso de interculturalidade, onde preparava os nossos alunos brasileiros para
irem morar no exterior. E ontem, quando tivemos uma reunião, com o pessoal de outra
instituição de ensino, perguntei se eles possuíam o curso de interculturalidade
e eles me afirmaram positivamente, porém não nesse mesmo sentindo, e daí que
veio a ideia de preparar novamente um curso sobre interculturalidade para o
aluno que chega à UTFPR. Seria para a adaptação geral daqueles que chegam aqui
no campus, não necessariamente estrangeiros, e não necessariamente para o aluno
de fora. Eu acho às vezes, que poderíamos estender este projeto para todos os
estudantes, por aquilo que lhe falei a respeito das questões culturais que não
o preparam para a independência. Quantos estudantes estão pelo campus, trazidos
ainda pelos pais, são os pais quem ainda resolvem sobre as inúmeras questões da
vida universitária desses alunos. Temos essa resistência familiar. A nossa
cultura latina americana é muito de abraçar, é muito maternalista e ficamos ali
segurando, não o deixando andar, caminhar sozinho.
Entrevistadora: - Chegamos
ao final desta entrevista e esperamos agradar a todos os leitores que se
interessam sobre a temática das cotas nas universidades. Tive a honra de
conversar com a professora Sônia Ana Leszczynski, Chefe do Departamento de Educação da PROGRAD da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná, a UTFPR.
Curso de Extensão em Prática Jornalística
Ministrado por: Camila Cassins e Marcelo Fernando Lima
Repórter: Kelly Cristiane dos Santos
Editoria: Educação
Tema: Cotas nas universidades federais
Entrevistada: Professora Sônia Ana Leszczynski - Reitoria da UTFPR
Contato: kellysantos@alunos.utfpr.edu.br