por
Ruth Lopes e
Priscilla Arantes
Helder
Dias é bem sucedido no mundo da moda e publicidade, saiu de Alagoinha,
interior da Bahia, para São Paulo na década de 1990, carregando uma
bagagem de sonhos. Como muitos retirantes daquela época Helder venceu
nadando contra a maré da sociedade paulistana, se encaixando em algumas
minorias, negro, nordestino e pobre. Mas isso não o impediu de ir mais
além e criar a Agência HDA direcionada exclusivamente para modelos
negros.
Tudo isso numa época em que a comunicação era limitada. A internet
era inexistente para o grande público. Não teve o apoio das redes
sociais e da informação instantânea.
Conversamos com esse vencedor que nos contou sobre sua trajetórias e inspirações. Confira!
Como começou seu interesse pela moda?
Em 1986, uma professora de moda, Cristina Rolim, foi ministrar
um curso de modelo, em Alagoinhas. Na época, o curso custava 1800
cruzados novos, muito dinheiro e eu não tinha, então, sugeri uma
parceria, eu, que sempre desenhei, faria os cartazes de silk screen para
divulgar o curso e ela me daria a bolsa. Ela aceitou. Fiz o curso e
depois ela voltou pra Salvador e sempre me chamava para dar suporte nos
cursos que ela ministrava lá.
Você sempre soube que carreira queria seguir ou durante o caminho existiram dúvidas?
Eu sempre soube. Desde pequeno eu dizia pra minha mãe que eu
queria ser importante. Mas quando eu comecei a trabalhar com a Cristina
eu ainda não sabia como eu faria isso. Mas em determinado momento ele
anunciou que iria se casar com um italiano e antes de se mudar pra
Itália me deixou responsável por todo o trabalho que desenvolvia em
Salvador. Num treinamento de uma semana ele me apresentou para as
pessoas como seu sucessor. Eu ia todos os dias pra Salvador e a noite
voltava para Alagoinhas. 108 km. E quando eu não tinha dinheiro para
voltar, eu dormia na rodoviária. Na casa dela eu sempre entrava e saía
pela porta de serviços. Ela morava com a tia num bairro nobre de
Salvador. Isso me marcou muito. Depois disso comecei a ministrar os
cursos em Alagoinhas.
Você inscreveu a Rai, sua irmã , no primeiro concurso expressivo de beleza negra do país. Como foi isso?
Rai não queria que eu a inscrevesse porque ela dizia que, em
São Paulo, eles estariam procurando mulheres negras, mas de pele clara e
traços finos. Mesmo assim eu fiz a inscrição e mandei o material. Foram
15 mil inscritas e a organização escolheu 17 meninas, entre elas a Rai
(Helder se emociona…). Não tínhamos dinheiro pra ir para SP. Mas fomos.
No ônibus, fazíamos palhaçadas e as pessoa nos davam comida. No final,
Rai ganhou o concurso, mas foi uma confusão, porque algumas pessoas que
não concordaram com o resultado invadiram o camarim. Com isso me
aproximei muito da Rita, dona da agência New Company ,responsável pelo
concurso.
Por 10 anos você ministrou o curso “Helder Dias manequins e
modelos”. Sua vinda para São Paulo foi por conta do concurso? Como foi
sua mudança para a capital paulistana?
A Rita me contratou. Por dois anos eu morei na casa que era nos
fundos da agência e ministrava os curso de modelo. Formei mais de mil
pessoas. E mais uma vez uma pessoa me ensina e vai embora. A Rita foi
para a Alemanha. Depois disso passei necessidades para me manter em São
Paulo e voltei pra Aracaju. E uma amiga da minha irmã tinha um
apartamento em SP e estava precisando de uma pessoa pra cuidar. Foi
quando eu voltei.
Foi nesse momento que surgiu a HDA?
Sim. Comecei a agenciar as modelos para propagandas e para eu
receber pelo meu trabalho eu precisava ter uma agência formal, conta
bancária. E na verdade, eu agenciava na sala do apartamento que nem
móveis tinha. E aos poucos tudo foi se acertando até chegar aqui, a sede
da HDA.
E como funciona o trabalho da HDA?
Quando eu resolvi abrir a HDA eu sempre pensei em ter tudo de
melhor para apresentação do meu trabalho. O melhor cartão de visitas, o
melhor site. Quando eu ligava para os clientes e dizia que eu tinha uma
agência de modelos negras, ninguém queria me receber. Então, eu dizia
que “fulano de tal” me indicou, à partir dessa abordagem a primeira
porta já se abria e eles me pediam pra mandar material, pra que eu fosse
visto eu precisava ter o melhor material.
Você tem uma postura firme em relação ao que defende, que são modelos negras.
Sim. Sempre tive a postura e falar o que penso foi uma forma de
me defender. Aos poucos a mídia observou que eu tenho as melhores
negras do mercado e fui intitulado “o criador das Barbies negras”. E na
inauguração da USP Zona Leste a Naomi Campbell esteve aqui (na agência
HDA) e isso trouxe mais visibilidade e respeito ao meu trabalho. Em
seguida, fui para África e passei 25 dias lá com 20 modelos. Isso também
virou assunto e trouxe mais visibilidade. E as coisas foram
acontecendo.
Você mencionou que foi destratado diversas vezes. Você sabe
me dizer a que se deve isso? Se pelo fato de você ser negro, ativamente
combatente…
Eu acredito que o problema não está só no fato de ser negro,
mas sim no poder de compra do negro. Se você tem poder de compra, tem um
tratamento. Se não tem o tratamento é outro. Naquela época eu deixava
muito evidente por meio de códigos as minhas diferenças sociais e
econômicas. E me enxergavam de outra forma. Mas eu sempre tive a
autoestima valorizada. Quando eu comprei um carro importado o tratamento
começou a melhorar. Quando minha modelos começaram a fazer campanhas
expressivas no Brasil e no mundo os clientes começaram a mudar a
linguagem e a forma de falar comigo. As coisas mudaram e eu passei a
escolher os clientes.
Como você vê a relação Fashion Week e modelos negros? Qual é o seu posicionamento hoje?
Sobre a São Paulo Fashion Week eu caí de paraquedas, em nenhum
momento eu fui lá reivindicar nada. Eu tenho um bom produto e eu
apresento, se o cliente quiser contratar ótimo senão o problema é dele. O
que aconteceu foi que o Frei Davi entrou com uma petição na justiça
reivindicando a inclusão de modelos negros na semana de moda de São
Paulo e foi para a porta do evento fazer barulho. Mas isso foi divulgado
como se fosse um movimento organizado pelo Helder Dias. Alguns
estilistas deram entrevistas dizendo que eu estava querendo aparecer e
por isso não iria contratar nenhuma modelo da HDA. A imprensa
espontaneamente começou a me procurar e como a exposição da minha imagem
já tinha acontecido de forma pejorativa, eu comecei a dar nomes aos
bois e dizer o que eu achava. Foi quando eu falei que o Frei Davi me
procurou, o Ministério Público me intimou duas vezes para que eu pudesse
expor a minha versão diante da alegação do Frei e aí o assunto ganhou
proporções internacionais. Mas eu nunca tive contato com o Paulo Borges,
não o conheço e nem sei das suas pretensões com a raça negra. Hoje eu
percebi que o meu trabalho está muito além da SPFW. Me graduei em moda
para entender e conquistar novas possibilidades e aumentar a
visibilidade do meu trabalho.
Hoje indústria entende que o negro não vende?
Não isso já passou. Isso é coisa do passado.
E por que essa representação não se dá na mesma proporção?
O país é dominado por brancos. O poder aquisitivo vem dos
brancos, e apesar da população brasileira representar 50% desse
contingente, quem dita as regras são os brancos.
Hoje, no século XXI, 2012 é que o negro começa a ocupar caminhos
políticos, científicos e acredito que num futuro muito próximo isso já
seja mais evidente. Foi o caso da presidente Dilma que passou pela
ditadura, a mulher para chegar a presidência passou muitas situações.
Há alguns anos, o Diogo Mainardi fez uma declaração polêmica e
foi crucificado, “Não venha cobrar de nós como agência e sim do cliente
que veta a modelo negra”. Isso se perpetua?
Em alguns casos sim. A publicidade criou segmentos. Quando são
campanhas governamentais, aí o Brasil tem cor. Quando são campanhas de
empresas internacionais, o negro é exótico ou diferente dos “padrões”, é
músico ou tem um cabelo black power, ele tem alguma característica
física que associa ao produto. Hoje a sociedade percebeu que a classe D e
C são classes consumidoras e começaram a desenvolver produtos voltados
para essa classe emergente. E como o negro passou a consumir mais e para
o capitalismo o que importa é o consumo começaram a dar visibilidade ao
negro.
Hoje, no século XXI, 2012 é que o negro começa a ocupar
caminhos políticos, científicos e acredito que num futuro muito próximo
isso já seja mais evidente.
Hoje o mercado de cosméticos, por exemplo, vende 42% de seus produtos para pessoas negras e não representa essas pessoas.
Clientes de cosméticos quando ligam para pedir modelos eles
pedem modelos claras, que fique com cara de branca e com traços finos. E
a representação do negro na publicidade é feita por modelos negras de
pele clara.
De um ano pra cá, eu tenho ouvido que o mercado não consegue a
interlocução com as mulheres negras, o mercado já entendeu que a mulher
negra mudou, que o poder de compra aumentou, que ela está no mercado de
trabalho, que o perfil mudou e vem sido chamado da “Era Michele Obama”.
O que você acha disso?
Eu acredito que os profissionais negros precisam se reunir para
suprir essa demanda. A Ruth que tem um site, a Isabel que tem uma
gráfica, a Márcia que tem uma agência de publicidade… E assim fazer um
elo de ligação e começar a consumir o que produzimos.
A HDA Models trabalha a imagem e a postura de seus modelos. A
responsabilidade é muito mais sócio-cultural do que física,
“trabalhamos o perfil da pessoa, pele, comportamento, autoestima,
alimentação”, afirma Lucas, booker da agência. A questão da autoestima é
ponto chave para o resultado final. A mulher que se ama exala beleza
física e interior.
Para saber mais sobre a agência e sobre esse profissional acesse HDA Models.
por Mulher Negra e Cia | 13/07/2012
http://www.mulhernegraecia.com.br