Como uma novela de época consegue
conversar tão bem com temais atuais? Era essa pergunta que me fazia enquanto
assisti os 154 capítulos da novela das seis Lado a Lado. A trama escrita por João Ximenes Braga e Claudia Lage
terminou nesta sexta-feira (08/03) com um dos melhores trabalhos de pesquisa
histórica que já vi em uma novela de época brasileira. Como não amar uma novela
que além de entreter, ainda dá uma aula de história do Brasil sem ser pedante?
Impossível. Elogiada pela crítica e
pelo público, Lado a Lado chega ao
fim com um saldo positivo que se faz muito necessário: ainda existe vida
inteligente na TV aberta. Retratando o Rio de Janeiro do início do século XX, o
folhetim conseguiu falar sobre o lugar social dos negros que foram enxotados
para os cortiços e depois para os morros, de onde nasceram as primeiras
favelas. Falou da dificuldade da independência da mulher na sociedade, falou de
política e fez com que os fatos históricos se transformassem em ações de alguns
personagens em cada capítulo. Clique aqui e leia a entrevista dos autores João Ximenes Braga e Claudia Lage.
Tudo isso de uma maneira natural e
bem convincente. No final das contas, Lado
a Lado falou mesmo sobre liberdade. Liberdade que ainda a sociedade luta
para ter de forma plena. O folhetim falou, sobretudo, do quanto a sociedade
precisa olhar para a História para não continuar repetindo os mesmos erros do
passado. Lado a Lado também falou de
amizade de duas mulheres, uma negra, outra branca, uma pobre, outra rica, que
passaram por várias situações, mas continuaram sempre uma ao lado da outra.
Isabel e Zé Maria finalmente se casam no final de Lado a Lado. Foto: TV Globo / Divulgação. |
Lado a Lado não foi bem de audiência. Mas,
graças a Deus, a novela não sofreu com intervenções absurdas que poderiam mudar
a delícia de ver a história do nosso país sendo retratada de forma tão poética.
Na última semana, os autores conseguiram explorar um tema mega delicado que é a
questão dos sanatórios. Houve uma época em que as pessoas também eram
internadas em um hospício por pensarem diferente, por não ter religião e por
quererem ser aquilo que são, sem máscaras sociais.
Ainda, de forma muito direta, Lado a Lado falou sobre a cultura negra
– lacuna histórica que ainda precisa melhor trabalhada nas escolas. Mostrou o
surgimento do samba, a força da capoeira e do candomblé. Mostrou negros altivos
que estavam dispostos a se livrar dos grilhões do preconceito e da submissão.
Nunca antes uma novela de época valorizou tantos os negros como Lado a Lado. E, posso confessar? Isso
me encheu de orgulho.
Isabel, Tia Jurema e Berenice na construção do Morro da Providência. Foto: TV Globo / Divulgação. |
Um dos casais protagonistas, Zé Maria
e Isabel, vividos por Lázaro Ramos e Camila Pitanga, mostrou, no fritar dos
ovos, que os negros podem sim através do trabalho, do estudo e de muita luta
para vencer o racismo, subir quantos degraus possíveis na escala social. Eles
também foram exemplos da família brasileira contemporânea e mestiça. Lado a Lado instigou o público a
conhecer mais sobre a história do povo afro-descendente que, de forma tão rica,
ajudou a moldar a nossa cultura brasileira, por meio da música, das artes, da culinária
e da fé.
E por falar em fé, como não falar de Tia Jurema, da talentosa atriz Zezeh
Barbosa. Uma das personagens mais queridas de Lado a Lado. Com os seus conselhos, quitutes e carinho, ajudou a
contar o quanto a cultura africana interferiu na europeia para criar a nossa
cultura brasileira. Nunca vou me esquecer da cena da romaria na porta da
delegacia onde boa parte do elenco resolve fazer uma manifestação pacífica pela
liberdade da Tia Jurema que havia sido presa, injustamente, por praticar o candomblé.
Infelizmente, até hoje, alguns grupos religiosos, por ignorância e
maldade, continuam atacando a cultura negra.
Laura e Edgard, de Lado a Lado, vivem o par romântico de melhor química da história das telenovelas brasileiras. Foto: TV Globo / Divulgação. |
História e Liberdade
O folhetim também retratou com
maestria a emancipação da mulher que, aos poucos, galgou o seu espaço na
sociedade e ainda luta por direitos iguais e respeito. Houve uma época em que
mulher não podia escrever ou se envolver em questões sociais. Hoje vemos as
mulheres cada vez mais engajadas e as redações [de jornalismo] cada vez mais
lotadas de mulheres.
Como a safra atual de novelas não
anda nada boa – e cheia de mais do mesmo, Lado
a Lado foi um oásis de inteligência e versatilidade. Com um elenco de
primeira linha, a trama não teve um escorregão ou alguém que estivesse abaixo
do tom. Todos arrasaram. Mas, os grandes destaques foram Marjorie Estiano e Patrícia
Pilar. Sem dúvida alguma, as duas merecem o prêmio de Melhor Atriz 2013. Nesta última semana, o destaque foi de Laura e Constância que, merecidamente, roubaram a cena e emocionaram o
público. Como poucas vezes nas novelas, mocinha e vilã, mãe e filha, roubaram a
novela para elas em cada cena, em cada diálogo. Era pura tensão!
Patrícia Pillar como a vilã Constância, em Lado a Lado. Foto: TV Globo / Divulgação. |
Desde Cordel Encantado e Avenida
Brasil, eu não me sentia tão envolvido com uma novela como fiquei com Lado a Lado.
Foi lindo ver no último capítulo
o final de cada personagem. E diga-se de passagem, com ótimos desfechos.
Foi
simbólico o jeito como Berenice morreu, cheia de rancor e inveja. Ela se
deixou levar pela cobiça e acabou caindo, sem querer, de um penhasco,
segurando as
joias que ganhou do envolvimento amoroso com o empresário e ex-senador
Bonifácio Ferreira. Caniço foi preso e Zé Maria interviu para que Olavo –
filho de Zenaide, que já tinha personalidade duvidosa, não entrasse de
vez para
o mundo do crime.
Mas o melhor mesmo foi o desfecho
final de Constância, onde o Senador Assunção consegue pegar “duas galinhas numa
paulada só”. Ele usa Catarina para se vingar de Constância e a vilã mais amada
do Brasil nem percebe que havia caído na pegadinha do próprio marido. Sempre
achei que a morte de um vilão na novela não era desfecho. Morte precisa ter um
sentido como foi no caso da Berenice. Mas no caso da Constância, o pior castigo
era viver na miséria e na solidão. E foi justamente isso aconteceu.
Equipe de roteiristas da novela das seis, Lado a Lado. Foto: TV Globo / Divulgação. |
Insisto. Para mim, o saldo final de Lado a Lado
é para lá de positivo. O
público que pôde acompanhar essa novela conferiu de perto o melhor
texto e, porque não dizer, o melhor elenco da TV brasileira em ação. Uma
novela com poucos personagens e cheia de destaques. Laura e Edgard
entram para a
história da teledramaturgia como o casal romântico de melhor química no
vídeo e
Patrícia Pilar pode colocar no currículo duas vilãs (Flora e Constância)
completamente diferentes e
cheias de nuances.
Lado a Lado pode ter tido uma audiência ruim –
na faixa dos 18 pontos de audiência, mas mesmo assim continuou líder absoluta
no horário e sem um concorrente direto que a ameaçasse lhe tirar a liderança. Aliás,
a novela foi uma prova viva de que nem sempre qualidade e audiência caminham
juntas. Como telespectador, bato palmas para essa novela que já deixou saudade,
muita saudade! “Liberdade, liberdade....abre as asas sobre nós”.
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