“Anos Dourados” foi uma minissérie com 20 capítulos, escrita por Gilberto Braga com direção de Roberto Talma. A trama de época, retratou um Rio de Janeiro dos anos de 1950. Estreou em 05 de maio de 1986, às 22h, ficando no ar até 30 de maio.
Malu Mader, Felipe Camargo, Betty Faria e José de Abreu foram os protagonistas da minissérie que ainda contou com grandes nomes como José Lewgoy, Yara Amaral, Nívea Maria, Isabela Garcia, Taumaturgo Ferreira, Lúcia Alves, Roberto Pirilo, entre outros.
Nas ruas desfilavam cadillacs e rabos-de-peixe. Nos bailes, os pares dançavam ao som de Nat King Cole, com rosto colado e um copo de cuba libre na mão. Os rapazes usavam topetes com brilhantina e as moças, de vestidos rodados, esperavam ansiosas um convite para a dança, pois tomar “chá de cadeira” era uma humilhação. Esta é uma rápida pincelada dos anos 50, uma década que assistiu à queda do presidente Getúlio Vargas e à posse de Juscelino Kubitschek. Que testemunhou a mudança dos bem comportados bailinhos para as alucinações do rock and roll.
No Brasil, mas especialmente na Tijuca, um conservador bairro do Rio de Janeiro, um grupo de pessoas vive suas vidas pacatas. Pais e filhos, rapazes e moças, homens e mulheres cumprem seus destinos e seus argumentos de vida: casar, ter filhos, estudar, trabalhar. Mas para a concretização desses ideais, nem tudo eram flores.
Uma moral muito rígida dificultava, muitas vezes, os namoros que surgiam nos clubes e bailes de formatura. E ao esbarrarem com as proibições aqueles jovens muitas vezes se perguntavam o que seria normal. Da mesma forma, do mundo adulto, uma série de preconceitos impedia a felicidade e as pessoas sofriam, suspiravam, pois no fundo queriam que a história da Cinderela se repetisse na vida real.
É nesse universo que se passa a minissérie “Anos Dourados”, que conta duas histórias de amor tendo como pano de fundo a segunda parte da década de 1950.
Lourdinha (Malu Mader), uma estudante do instituto de educação, apaixona-se por Marcos (Felipe Camargo), um rapaz do colégio militar e, inicialmente, sua família não aceita o namoro porque o rapaz é filho de pais desquitados. Com o tempo, o problema do casal passa a ser a repressão sexual, pois sentem-se atraídos um pelo outro e não sabem como resolver isso sem se sentirem culpados.
Paralelamente uma história de amor adulto se desenrola. É a paixão de Glória (Betty Faria) e o Major Dornelles (José de Abreu), uma mulher desquitada – mãe de Marcos – e um homem casado. Trata-se de adultério e é pecado.
É a partir dessas duas tramas que surge a essência de “Anos Dourados”. A hipocrisia de uma época em que o “parecer” importava mais que o “ser”. No final dos anos 1950, as pessoas viviam numa sociedade que aceitava com grande naturalidade que o homem tivesse experiências antes do casamento, porém, jamais a mulher. Paralelamente, não se tinha direito de fazer perguntas, simplesmente aceitava-se os dogmas.
É na Tijuca dos anos de 1950, um bairro reconhecidamente conservador, que os personagens de Gilberto Braga ganham vida. Em suas ruas eles se encontram, vão à escola, combinam festinhas, tiram suas duvidas. Enquanto isso, no cenário nacional, o governo JK prometera prosperidade e democracia. Os anos JK foram o último governo democrático, seguindo-se um período extremamente crítico.
São “Anos Dourados” porque há, sem duvida, uma certa nostalgia dos bailes de formatura, das boates com música ao vivo, das festinhas de 15 anos, dos casamentos com cruzamento de espadas.
Lourdinha e Marcos se conhecem num baile. Eles se olham e se aproximam ao som de I apologize, na voz de Billy Eckstine, e dançam de rosto colado ao som de Anos dourados, de Tom Jobim. A romântica cena é um marco na história da teledramaturgia.
A vida de Marcos passa a ser uma sucessão de projetos, depois que ele conhece Lourdinha. A única coisa que tem na cabeça é ficar com a namorada, por isso, arquiteta formas de conseguir dinheiro para casar com ela e assim realizar o desejo.
Lourdinha é uma moça completamente adaptada ao modelo familiar da época. A partir do momento que ela conhece Marcos é que sua cabeça começa a mudar, que ela começa a pensar nos seus valores.
Da mesma forma que Lourdinha e Marcos sofreram varias dificuldades para realizar seu amor, Glória e o Major Dornelles, o par romântico adulto da minissérie, levantaram outras questões sobre a hipocrisia da época.
Glória é uma típica mulher dos anos de 1950. Separada do marido, trabalhando numa boate como caixa, ela sofre a descriminação por tudo isso e sofre ainda mais, porque sabe que esta discriminação vai atingir Marcos, seu filho. Mãe amorosa e preocupada com a educação do rapaz, ela acaba se fechando, até que se apaixona por Dornelles, um homem casado, o que ela inicialmente não sabia e não queria para a sua vida.
Dornelles é o tipo de homem que não consegue se libertar do casamento e ao mesmo tempo não abdica do prazer que a vida extraconjugal possa lhe oferecer, mas com a ressalva de que ele ama verdadeiramente Glória.
O impasse é total. Glória ama e sofre porque acaba vivendo situações humilhantes por ter uma relação obscura. Dornelles, também apaixonado, não sabe como resolver seu problema sem magoar a mulher e os filhos. O dilema para Dornelles é terrível, que conhece a verdadeira felicidade, amando Glória, fazendo sexo com amor e sem dormir depois.
Morreu (Milton Moraes) é o pai de Marcos, ex-marido de Glória. Músico de orquestra, vive endividado por ser irresponsável. Mesmo assim é boa gente, embora seja um alcoólatra comportado. Nunca ajudou Glória na criação de Marcos. Se chama Cláudio, mas seu estranho apelido surgiu quando na adolescência, desapareceu por uns tempos e correu o boato de que “o Cláudio morreu”. Ficou conhecido como Morreu.
Celeste (Yara Amaral) é mãe de Lourdinha e do garoto Pedro (Daniel Fontoura), casada com o Dr Carneiro (Cláudio Correa e Castro). Celeste é uma mulher cheia de preconceitos. Que vive preocupada com a opinião dos outros. Não aceita de forma alguma, a relação entre sua filha e Marcos. Começa a detestar o rapaz por saber que ele é filho de pais desquitados.
Dr Carneiro é um Pediatra estimado. Exemplo de bom marido. Congregado Mariano, escreve um livro sobre puericultura. Udenista ferrenho, extremamente moralista e fã de Carlos Lacerda.
Tudo parecia perfeito para os dois jovens, mas a família de Lourdinha proíbe o namoro dela com Marcos por ele ser filho de pais separados. Os pais da moça, Dr. Carneiro (Cláudio Corrêa e Castro) e Dona Celeste (Yara Amaral), tentam de todas as maneiras afastar a filha do rapaz. Lurdinha não tem diálogo com sua família, que é extremamente convencional, e não consegue defender o amor que sente por Marcos.
Beatriz (Nívea Maria) é a esposa do Major Dornelles. Ela tem três filhos com ele, além de ser boa índole, muito convencional. Beatriz é ligadíssima ao pai, o Brigadeiro Campos (José Lewgoy). Ela também é conhecida como a mulher mais elegante da Tijuca.
Lauro (Rodolfo Bottino) é o filho mais velho de Dornelles e Beatriz. O rapaz forma-se em Engenharia e logo apaixona-se por Lourdinha. Fica revoltado com o pai, assim que descobre seu envolvimento com Glória, a mãe de seu rival, Marcos.
Marina (Bianca Byington) é a outra filha de Dornelles e Beatriz, muito amiga de Lourdes. Solange (Isabela Bicalho) é a filha mais nova de 14 anos.
Campos é um Brigadeiro do Alto Comando da Aeronáutica, um contemporâneo, amigo e admirador de Eduardo Gomes, anti-juscelinista ferrenho. Docemente manipulador, um exemplo de militar bem sucedido.
Vitória (Lúcia Alves) é a melhor e uma das poucas amigas de Glória. Lady-crooner alto astral da boate de Copacabana.
Dorneles passa a viver um conflito: como enfrentar a mulher, uma boa esposa, os filhos e a sociedade para viver um grande amor? A trama dá uma reviravolta, e Glória acaba descobrindo que Dorneles é casado. Arrasada, ela decide se afastar dele.
Rosemary (Isabela Garcia) é uma mocinha menos convencional da época, a que os namorados levam pra última fila do balcão do cinema.
Abigail (Maria Lúcia Dahal), mãe de Rosemary, é amiga da mãe de Lourdinha. Rosemary ainda estuda na mesma classe de Lourdinha. Ela também é amiga de Lourdinha, a mais avançada das meninas de sua turma, sempre com idéias modernas para o seu tempo. Rodolfo (Helber Rangel) é o pai de Rosemary e marido de Abigail. Funcionário publico, morre de medo de ser transferido para Brasília.
Urubu (Taumaturgo Ferreira) é o melhor amigo de Marcos, embora seja o oposto do rapaz. Vive ligado em sexo e é exuberante, divertido e bem cafajeste. Urubu é um animado galanteador, que não se separa de seus óculos de aro preto, iguais aos do ator James Dean no filme Juventude transviada. As vezes se comporta como o personagem vivido por Jerry Lewis em O professor aloprado, cuspindo nas mãos para ajeitar os cabelos, pondo o cigarro no canto da boca e usando jaqueta com a gola levantada.
Gracindo (Jece Valadão) e Marieta (Tânia Scher) são os pais de Urubu. Ele é dono de um posto de gasolina no centro da cidade. Boa praça, amigo do filho, um marido pirata mas à sua maneira carinhoso com a esposa. Já Marieta é bem exuberante, adora o filho e o marido e faz vista grossa para as aventuras extraconjugais de Gracindo.
Marly (Paula Lavigne) é a melhor amiga de Lourdinha. As duas também estudam na mesma classe no Instituto de Educação, onde sua mãe é professora.
Laís (Denise Bandeira) e Joel (Paulo Vilaça) são os pais liberais e boa gente de Marly. Por isso, os jovens frequentemente se encontram na casa deles. Laís é professora de Geografia do Instituto de Educação, liberal, simpática e querida pelas amigas da filha. Joel é um Arquiteto liberal e juscelinista.
Capitão Rafael (Roberto Pirilo) é o melhor amigo de Dornelles que termina se envolvendo com a espevitada Rosemary.
Mesmo com a proibição dos pais, Lourdinha não deixa de se encontrar com Marcos. Ela não revela a ele que esconde o namoro de sua família. Ele insiste em conhecer os pais da moça, mas ela acaba sempre inventando uma desculpa. Até que, um dia, Marcos aparece sem avisar na casa de Lourdinha e pergunta a Celeste e Carneiro se eles vêem com simpatia o namoro dos dois. Desconcertados ao descobrirem a mentira da filha, eles tratam o rapaz com simpatia, mas inventam que Lourdinha está de castigo por conta de notas baixas e não poderá vê-lo. Os pais de Lourdinha decidem, então, aceitar o namoro da filha com Marcos, acreditando que, concedendo permissão para o romance, ela logo se desinteressará dele, pois, segundo eles, o "fruto proibido" é que está motivando a filha.
Com o tempo, Marcos e Lourdinha passam a viver o conflito de se sentirem sexualmente atraídos um pelo outro e serem tomados por um grande sentimento de culpa, já que, na época, sexo antes do casamento era tabu. Lourdinha chega a perguntar para a mãe se é normal sentir desejo pelo namorado, e Dona Celeste, sempre repressora, responde: “Sexo é pecado. A mulher só pratica o sexo depois de casada, para satisfazer o marido”.
Marcos também recorre ao pai para conversar sobre o assunto, e ele o aconselha a procurar prostitutas, mas o rapaz só pensa em Lourdinha. Junto com Urubu e Gracindo (Jece Valadão), ele vai a um bordel, mas não consegue ter relações com nenhuma mulher. Então, decide sair com Rosemary, a moça mais transgressora da turma.
Lourdinha flagra os dois aos beijos e, arrasada, rompe com Marcos. Ela, por sua vez, decide sair com Lauro, que sempre a paquerou. Marcos fica surpreso ao descobrir que Rosemary, na realidade, é virgem e se assusta ao perceber que ela está apaixonada por ele.
Urubu revela a Lourdinha as razões que levaram seu namorado a procurar Rosemary, e ela fica feliz em saber os motivos. No capítulo 15, ela procura Marcos, diz que o ama e que quer se casar com ele. Os dois, apaixonados, se amam, em mais uma cena marcante da minissérie.
Depois de muitos conflitos, Marcos e Lurdinha terminam juntos e felizes. Dr. Carneiro, para o choque de todos, suicida-se, ao descobrirem que ele tinha uma amante, Vitória (Lúcia Alves). Celeste entra em uma crise de depressão e não consegue superar o duro golpe. Por outro lado, Dorneles finalmente se separa de Beatriz e vai morar com Glória. Beatriz decide voltar a estudar e dar um novo rumo em sua vida.
Sem duvida, os anos de 1950 foram “Anos Dourados”. Se pensarmos que no Brasil tivemos estadistas do porte de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, podemos imaginar as profundas transformações políticas que o país sofreu. Mas não foi só de política que se alimentou a sociedade daquela época que, em sua abertura, mereceu do famoso colunista Jacinto de Thormes, da revista “O Cruzeiro”, a lista anual das “Dez Mulheres mais Elegantes do Brasil”. Quem gostava de futebol ganhou o maior estádio esportivo do mundo, o Maracanã, construído especialmente para a Copa do Mundo. Com a derrota do Brasil para o Uruguai, porém, o país vive uma de suas mais sérias comoções nacionais. Foi em 1950, ainda, que ia ao ar a primeira emissora de televisão da América Latina, a PRF 3 TV Tupi, de São Paulo.
“Os rapazes gostam de pequenas que saibam animar uma palestra, mas odeiam as pequenas que falam muito. Se a pequena usa cores alegres, bastante maquiagem e chapéus audaciosos ele hesita em sair com ela. Se ela usa um tailleur e uma boina escura, ele sai com ela e passa o tempo todo olhando as que usam cores alegres, bastante maquiagem e chapéus audaciosos.” Com este conselho, Tia Marta, na revista “Cigarra”, de 1951, desenhava o perfil da moça de família da época.
1951 foi um ano importante para o Brasil. No dia 31 de janeiro, Getúlio Vargas tomou posse e propôs o programa do Petróleo Nacional e a criação da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás). Na Rádio Nacional, um sucesso absoluto de audiência com a novela “O Direito de Nascer” e, em São Paulo, é inaugurada a I Bienal Internacional de Artes Plásticas, com a participação de quase duas mil obras.
Foi em 1953, porém que Marilyn Monroe firmou-se como atriz do cinema transformando-se no símbolo sexual da década. No Brasil, o teatro rebolado com Mara Rúbia, Wilza Carla, Angelita Martinez e Anilza Leone estabelecia novos padrões de beleza. Mesmo assim, os valores da época eram castidade, o casamento e a felicidade. O sexo antes ou fora do casamento era o grande tabu. Na verdade, casar era o verbo supremo que toda adolescente devia conjugar. Principalmente casar-se virgem.
Por tudo isso, os “brotos” da época tinham a maior preocupação com a aparência, e a indústria de beleza se desenvolve muito mais que nos tempos anteriores. Só para ilustrar, as garotas lavavam os cabelos com shampoo ovo-creme de Richard Hudnut, faziam permanente em casa e não havia uma que dispensasse o trio maravilhoso Regina, com sabonete, talco e água colônia.
É nessa época também, que começa a nascer um novo herói, uma figura rebelde, problemática, inspirado nas interpretações de James Dean, no filme “Juventude Transviada” e no Marlon Brando de “O Selvagem”. A rebeldia juvenil, a androginia, a sexualidade reprimida, a solidão em família eram os temas explorados por Hollywood, num momento em que os EUA viviam seu período de “caça às bruxas”, sob o comando do senador Joseph McCarthy.
Um atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, que vazia uma violenta campanha contra o presidente da república, precipita uma crise política no Brasil de 1954, levando Getúlio Vargas ao suicídio. Moreira da Silva, captando a angustia popular provocada pelo acontecimento, grava um samba reproduzindo a famosa “carta-testamento” deixada por Vargas. Para culminar, chega dos EUA uma notícia: Marta Rocha deixara de ganhar o título de Miss Universo sob a alegação de que possuía “duas polegadas a mais nos quadris”.
Um aro plástico com cerca de 1m de diâmetro, que os “brotos” faziam girar na cintura, era a coqueluche da época. Seu nome era bambolê, um esporte que já foi soltando o corpo da juventude que, a partir de 1954, com o lançamento do “Rock Around The Clock”, por Bill Haley e seus cometas, começaria a se preparar para a explosão que viria logo depois, com Elvis “The Pelvis” Plesley. Era o fim dos bailinhos ao som de orquestras estilo Ray Conniff. Cantando à maneira dos negros americanos e requebrando sensualmente os quadris, Elvis enlouqueceria a juventude, lançando mais do que um gênero musical mas uma nova forma de comportamento vestida por blusões de couro, camisas coloridas com jeans, cabelos com topetes, sobre motos aceleradas.
É uma revolução. Do nylon e do Ban-lon. Quem estava na moda tinha que usar óculos Ray-ban, óleo Colgate e brilhantina Glostora, que provoca nas mulheres “olhares de admiração” e que “mantém o seu cabelo brilhante, macio e bem perfumado”. É a moda quebrando tabus. Tanto que, em 1957, as industrias Dante Ramenzoni promovem o primeiro desfile de roupas masculinas e o famoso Falcão Negro, José Parisi, galã de televisão e ídolo da garotada, é um dos manequins.
Mas antes disso, em 1956, Juscelino Kubitschek toma posse da Presidência da República e começa a fincar a base do que viria a ser o slogan do seu governo – 50 anos em 5 – e que tinha por meta a construção de Brasília. Da Ilha do Sol, apenas quinze minutos do Paquetá, Dora Vivacqua, mais conhecida como Luz Del Fuego, dançava com serpentes enroladas no corpo e mandava recados: “O ser humano precisa ver o sexo do seu próximo”. Inconformada, Maria Luiza escreveria na seção “Garotas”, da revista “O Cruzeiro”: “Por mais que se tenham modificado as regras do jogo, do tempo das cavernas para cá, ainda está de pé aquela que declara que a encabulada deve ser a mulher”. Pelo visto, nem todos achavam, já que a ilha de nudismo da atriz capixaba viria a ser bastante concorrida. Mas a vida frenéticas de certas atrizes já mostrara suas garras. Carmem Miranda, a pequena notável, deixara-se consumir, diziam pelo grande consumo de anfetaminas “para manter a forma” e morrera de colapso cardíaco, em 1955. Nem tudo eram flores.
O roque havia enlouquecido a juventude, mas essa era a novidade importada. No Brasil, a música popular preparava-se para conceber uma das maiores viradas. Era o inicio da Bossa Nova. Havia um bar, na Av. Graça Aranha, Rio de Janeiro, chamado Vilarino, onde muita gente se encontrava. Um rapaz chamado Antônio Carlos Jobim, um diplomata e poeta chamado Vinícius de Morais, e ainda Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Elizeth Cardoso, entre outros. Foi ali, entre bons papos e fervorosas discussões sobre jazz que nasceu, em abril de 1958, o LP “Canção do Amor Demais”, gravado por Elizeth Cardoso, com composições de Tom Jobim e Vinícius de Moraes e com a participação do violinista João Gilberto. Em apenas duas faixas – “Chega de Saudade” e “Outra Vez” – João Gilberto lançou o estilo que viria a caracterizar a Bossa-nova.
“Se você disse que eu desafino, amor/Saiba que isto em mim provoca imensa dor/Só privilegiados com ouvidos igual ao teu/Eu possuo apenas o que Deus me deu/Se você insiste em classificar/Meu comportamento de antimusical/Eu mesmo mentindo devo argumentar/Que isto é bossa nova/Que isto é muito natural”. Com “Desafinado” de Tom Jobim e Newton Mendonça, verdadeiro manifesto do movimento, João Gilberto, seu intérprete, lançaria um grito de guerra que levaria à revolução musical no país.
Em 1958 a seleção brasileira conquista a almejada Taça Jules Rimet e Garrincha e Pelé tornam-se ídolos nacionais. Mas uma notícia ocupa todas as manchetes dos jornais, provocando a ira e a indignação das famílias: Aída Cúri é encontrada, na calçada da Av. Atlântica, morta. Suicídio? Não. Trata-se de Curra, seguida de homicídio. A década de 1950 teve seus aspectos perturbadores. A juventude transviada, preconizada por James Dean, tinha gerado inúmeros rebeldes sem causa que terminavam suas noitadas fazendo a “roleta paulista”, uma corrida a toda velocidade, desrespeitando cruzamentos e sinais. Os mais violentos chegavam a jogar seus automóveis contra outros e ocorreram até casos de jovens que derramaram gasolina em mendigos, ateando-lhes fogo. Se não bastasse, alguns ainda divertiram-se atraindo moças para ciladas. Depois, a brincadeira era violentá-las. A curra passara a ser um divertimento!
Aproxima-se o fim da década. 1959. Jânio Quadros candidata-se às eleições para presidente. Em Cuba, Fidel Castro torna-se o Primeiro-Ministro. Novamente no Brasil, com “O Homem do Sputnik”, de Carlos Manga, encerra-se p ciclo da “chanchada”.
Nesta década, Copacabana torna-se a “Princesinha do Mar”. Nela nasceu o clube dos cafajestes, bastante cobiçado por gente famosa. A moral era a mais estranha. Enaltecia-se o corpo, com a mitificação das deusas louras como Marilyn e a popularização do sex appeal masculino, mas os padrões morais ainda são muito rígidos e a masturbação é considerada um vício pernicioso, capaz de conduzir à cegueira e à loucura. Mocinhas casadoiras sonhavam com seus príncipes encantados. Mulheres adultas sonhavam com eletrodomésticos e supermercados, outro hit de expansão. Mas o sexo era proibido. Movimentos, houveram muitos, até a “fossa”, que os existencialistas franceses chamavam de “náusea”. Quem esqueceu Dolores Duran? Quem não se lembra de Maysa?
A partir de 1960 as coisas mudam. O Brasil entra em ebulição. São as articulações para as eleições presidenciais e a iminente inauguração de Brasília. Estava cumprida a meta dos anos de JK. Nos EUA. John F. Kennedy vence as eleições. Os tempos mudam. Passado o ressentimento do pós-guerra, uma era desenvolvimentista se impôs, no Brasil e no mundo. Um tempo de muitas mudanças. Fatos, ideias, sentimentos. Os anos 1950, sem dúvida, são um tema inesgotável, um filão riquíssimo para conjecturas. Mas, mesmo longe de ter esgotado o assunto, é visível: da década de 1950 pode-se afirmar, são “Anos Dourados”.
O título “Anos dourados” foi idéia de Daniel Filho. Ele conta que havia um projeto da Casa de Criação Janete Clair para produzir minisséries sobre diferentes épocas da história do Brasil. Criada em 1985, por Dias Gomes, a Casa de Criação Janete Clair tinha o objetivo de elaborar e selecionar roteiros para as produções teledramatúrgicas da emissora. A partir dessa idéia, foi decidido que a década de 1950 ficaria com Gilberto Braga. Para a trama sobre os anos de 1960, Gianfrancesco Guarnieri foi o nome sugerido. No entanto, Guarnieri acabou se envolvendo em outros projetos da emissora, a Casa de Criação Janete Clair fechou e, anos depois, o mesmo autor dos Anos dourados, Gilberto Braga, veio a escrever a minissérie “Anos rebeldes”, retratando o duro período de repressão do regime militar.
“Anos Dourados” foi a primeira minissérie de Gilberto Braga. Antes, o autor já tinha escrito onze novelas que marcaram época e ditaram moda. “Anos Dourados” nasceu de um encontro de Gilberto Braga com Malu Mader, logo depois da novela “Corpo a Corpo (1985)”. Olhando Malu, o autor pensou que ela daria uma normalista linda. E a partir dessa ideia foi construindo a história.
Gilberto Braga tinha mais ou menos dez anos na época em que situou a história. Assim, a sua memória de infância, e à pesquisa que realizou auxiliado por Maria Elisa Barreto, somou depoimentos de diversos amigos que eram adolescentes nos anos de 1950. E foi dessas reuniões amigáveis que nasceram muitas das questões da minissérie.
Em relação a hipocrisia da época que foi retratada em “Anos Dourados” e conversando com Yara Amaral que fez Celeste, a mãe repressora de Lourdinha, Gilberto perguntou: “Você sente ternura por ela, mesmo quando ela é ridícula, não sente?” Da mesma forma, nas reuniões que o autor organizou para que amigos falassem da adolescência naquela época, Hugo Carvana disse: “Nós fomos uma geração muito reprimida, mas eu queria nos ver respeitados porque abrimos as portas para uma geração nitidamente melhor que viria depois. Então, quando você tratar da gente, por favor, trate com carinho, com muito afeto. Nós merecemos”.
“Anos Dourados” representa, sem dúvida, mais uma etapa cumprida na carreira de Gilberto Braga. Na época da produção da minissérie, Gilberto Braga era rotulado pela imprensa como autor exclusivo da elite da Zona Sul carioca e surpreendeu pela intimidade com que descreveu o cotidiano de famílias da classe média da Tijuca.
“Não saberia dizer exatamente porque escolhi a Tijuca como bairro central da história. Ela me veio assim. Instituto de Educação, Colégio Militar, e os fatos foram se fechando por lá. Mas pensando melhor, há outras razões sim. De certa forma, nas novelas, fiquei um pouco estigmatizado como escritor da Zona Sul e dos grã-finos. Essa etiqueta, como qualquer outra, me incomoda um pouco. Já em “Corpo a Corpo (1985)” eu disse pra mim mesmo que não queria grã-fino nem muita festa. E não houve.
Deve ser uma forma de tentar surpreender as pessoas e a mim mesmo, claro. Se estão esperando grã-finos, eu quero aparecer com classe média da Tijuca. Se amanhã disserem que eu entendo é de classe média da Tijuca, tentarei aparecer com milionários de novo, tipo Chica Newman, da novela “Brilhante (1981/82)”. Porque, como todo escritor, sou evidentemente limitado pela minha vivencia. Não saberia escrever, por exemplo, sobre o cangaço ou o interior da Bahia. Mas essa etiqueta “entende de grã-fino” ou “só escreve sobre a Zona Sul” me irrita.” – Gilberto Braga na época
O trabalho das equipes de figurino, cenografia e direção de arte merece destaque, pela primorosa reconstituição de época, que reproduziu com exatidão o Rio de Janeiro dos anos de 1950.
Foi necessária uma pesquisa detalhada para desenhar de forma mais verossímil possível o período retratado.
O diretor Roberto Talma conta que transformou a rua de um condomínio em Jacarepaguá em cidade cenográfica. Ele lembra que, às vezes, era preciso pintar os postes das ruas de preto, pois não havia postes de cimento nos anos de 1950, só de ferro.
A figurinista Helena Gastal também tem recordações da minissérie. Ela conta que tudo era muito corrido e improvisado. As atrizes, por exemplo, se apertavam atrás de tapumes espalhados pela rua do condomínio em Jacarepaguá e lá trocavam suas roupas.
Os diálogos dos personagens procuravam reproduzir a típica dubiedade que marca a época entre conservadorismo de costumes e discurso desenvolvimentista. Em determinado momento da trama, por exemplo, retrucando uma observação de sua mulher, Dr. Carneiro diz: “Aqui em casa não entra mulher desquitada, getulista e nem ateu.” Em outra cena, o personagem diz que a cidade de Brasília, já em construção, é “um sonho louco de um político irresponsável”. Primorosos, os diálogos da minissérie reuniam gírias, cacoetes e expressões dos anos de 1950, o que acabava revelando com fina ironia os preconceitos e as convicções dos personagens.
Betty Faria se inspirou em Gina Lollobrigida do filme “Trapézio (1956)” para o corte de cabelo que representou sua personagem Glória. O corte conhecido na época como “taradinha”, emprestaria ao personagem um estilo dinâmico, prático, que cairia bem com seu tipo de vida.
A minissérie Anos dourados marca a estréia na Rede Globo de Felipe Camargo, que recebeu inúmeros elogios pelo seu trabalho como o doce e apaixonado Marcos. O desempenho como Lurdinha também rendeu elogios à atriz Malu Mader. Antônio Calloni também iniciou a carreira de ator de TV através da minissérie “Anos Dourados”.
Antes de cada capítulo, fazia-se uma retrospectiva do anterior, narrada por Paulo César Pereio. Na cena final de cada episódio, também era mostrado de forma compacta o que havia acontecido a cada um dos jovens protagonistas.
A minissérie foi reapresentada duas vezes: em outubro de 1988 e em agosto de 1990, no Festival 25 anos da Rede Globo. Em 1990, foi compactada em vídeo pela Globo Vídeo. Em abril de 2003 lançou-se o DVD da minissérie. Gilberto Braga foi responsável pela edição da história em DVD. A minissérie ainda foi reprisada pelo canal Viva entre 02 a 27 de maio de 2011.
“Anos dourados” foi vendida para mais de 20 países, entre eles Albânia, Canadá, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra, Portugal, Turquia, Uruguai e Venezuela.
Gilberto Braga também ajudou na produção musical de “Anos Dourados”. A música da minissérie foi representada de forma diferente. Nenhum personagem tem um tema musical próprio. As melodias são inseridas em função de casa episódio. Nem mesmo as duplas românticas são marcadas pelos mesmos temas, pois a música sempre acompanha a emoção de cada cena. Assim, da pesquisa musical feita pelo próprio Gilberto Braga, ele selecionou Praias Desertas, interpretada por Elizeth Cardoso; Por Causa de Você, com Dolores Duran; Franqueza, cantada por Maysa; Alguém como tu, por Dick Farney; Patricia, com a Orquestra Perez Prado; When I Fall In Love, cantada por Nat King Cole, entre outras. Quando Tom Jobim chamou o autor Gilberto Braga para lhe mostrar a música que havia composto especialmente para a minissérie, fez uma exigência: que a atriz Malu Mader acompanhasse o autor, pois ele tinha muita vontade de conhecê-la.
Trilha Sonora de Anos Dourados
01. WHEN I FALL IN LOVE - Nat King Cole
02. FRANQUEZA - Maysa
03. TU ME ACOSTUMBRASTE - Roberto Yanes
04. POR CAUSA DE VOCÊ - Dolores Duran
05. I APOLOGIZE - Billy Eckstyne
06. PATRICIA - Perez Prado
07. ALL OF YOU - Ella Fitzgerald
08. ALGUÉM COMO TU - Dick Farney
09. WHAT A DIFFERENCE A DAY MAKES - Dinah Washington
10. ACCAREZZAME - Teddy Renno
11. AS PRAIAS DESERTAS - Elizeth Cardoso
12. SMOKE GETS IN YOUR EYES - The Platters
13. MON MANÈGE A MOI (TU ME FAIS TOURNER LA TÊTE) - Edith Piaf
14. ANOS DOURADOS (instrumental) - Tom Jobim (tema de abertura *)
Sonoplastia: Adirson Sansão
Produção musical: Gilberto Braga
Direção musical: Sérgio Saraceni
A abertura nada mais era que uma passagem de fotos, mostrando uma Tijuca dos anos de 1950 e todos seus prédios históricos. Tudo ao som da instrumental “Anos Dourados” de Tom Jobim.
Fonte: http://www.mundonovelas.com.br
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