Elas querem mudar o mundo, e decidiram começar pela cultura. O Festival Mulheres no Volante
se define como um festival cultural feminista e independente. Ele
constroi, na prática, uma alternativa ao que nos é apresentado
cotidianamente como cultura: tudo igual, enlatado, quase sempre
protagonizado pelos homens.
Foram 5 dias de atividades.
Pensados, organizados, tocados, resolvidos por mulheres. Os homens
estavam lá: participaram de alguns debates, emprestaram suas guitarras
pra oficina de rock pra meninas, tocaram em suas bandas… Mas as
protagonistas foram as mulheres. Além de ter o princípio de que pra tocar no festival tinha que ter pelo menos uma mulher tocando algum instrumento na banda, o festival foi organizado de um jeito que
incentivou alí, na prática, a participação das mulheres na música e na
cultura. As oficinas foram direcionadas pras meninas: de autodefesa,
imagem digital, guitarra, stencil e video. Em cada uma delas as meninas
se aproximaram de uma linguagem que não conheciam, aprenderam e
colocaram em prática.
O foco foi incluir as meninas num mundo em que a gente tá acostumada a ser espectadora. Por exemplo, na oficina de video, rolou primeiro uma
discussão mais teórica sobre cinema, e depois as meninas começaram a
pensar juntas em como fazer, no dia seguinte, um vídeo sobre o festival.
Na oficina de guitarra, ao mesmo tempo em que algumas seguraram uma
guitarra pela primeira vez e aprenderam a fazer o powercorde, a Bruna
mostrava vídeos, falava sobre o machismo de um jeito que qualquer
menina que gosta de rock e costuma ir em shows entende, e apresentava o
feminismo a partir de bandas feministas, da história das riot girls e
das mercenárias, que tocaram uns dias depois, no Festival. E com a
Clarisse, da Big Hole, acompanhando nos vocais, algumas mandaram muito
bem ao tocar uma música das Runaways pela primeira vez.
Também
teve uma mostra de curtas, de diretoras mulheres, a partir da parceria
com o Primeiro Plano, um festival de cinema de Juiz de Fora. E um
desfile de moda em que as meninas que desfilaram não eram altíssimas e
esqueléticas.
Durante todos os dias, três exposições de artistas mulheres. E poemas de poetizas.
E o debate “nem rosa pras meninas nem azul pros meninos”
que fez o debate sobre gênero, mercantilização do corpo e da vida das
mulheres, feminismo, combate ao racismo… O debate foi composto por
mulheres na mesa e alguns homens estavam na platéia.
Claro que vez ou outra surgia o questionamento de porquê os homens não tavam na mesa, ou nas oficinas. “Por que incomoda tanto uma mesa composta só por mulheres?”
foi um dos comentários em resposta. E além disso, as organizadoras
respondiam que o Festival é assim hoje, pra que um dia não tenha mais
que ser. (Ou seja, quando a gente conseguir ter mulheres em todos os
espaços, particularmente na arte e na cultura, respeitadas a partir da
sua capacidade, criatividade, linguagem, conteúdo…) É a mesma coisa que a gente diz sobre a auto-organização das mulheres no movimento feminista. A gente seorganiza,
fortalece as mulheres, combina estratégias, planeja e executa ações pra
combater o machismo que a gente vive cotidianamente. Do jeito que a
gente acha melhor combater, inclusive porque é a gente que sofre na pele
o machismo, então a gente tem muito mais condições de avaliar o que é
mais importante em cada momento. Quando não tiver mais machismo, capaz
que não vai mais precisar ser assim. Ou vai, quando chegar lá, vamos ter
condições de decidir isso.
Mas, até lá, essa é a forma que a gente escolheu pra organizar essa nossa luta, tá?
E funciona! As meninas da organização deram conta de tudo, até de briga que quase aconteceu durante o show.
E, por falar nos shows, eles foram transmitidos pela twitcam, e é capaz que logo mais estejam disponíveis na internet.
Além da discotecagem das Amigas da Pagu, que mandaram benzão, as bandas foram:
Top Surprise,
com uma mulher no volante (na guitarra) e um momento mega master plus
de participação de mais uma mulher no vocal e outra na bateria. A Top
Surprise defendeu, no palco, o feminismo e a música livre. Sou fã.
Cherry Pie, com quatro mulheres no volante (bateria, baixo, guitarras, vocal).
As Mercenárias,
que começaram desde antes das riot girls, são três mulheres que mandam
benzão no baixo, guitarra e bateria. Tem uma entrevista com elas aqui.
E eu fiquei me perguntando, durante o show, por que raios eu não
conhecia essa banda antes. Duas respostas óbvias: machismo
(invisibilidade das mulheres na música) e jabá (é o tipo de banda que
nega pagar jabá e não tocaria nas rádios que eu ouvia quando era
adolescente.Taí mais um motivo pro debate da cultura livre incorporar cada vez mais o feminismo. E vice versa.