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13 outubro 2013

MIA COUTO E OS SETE SAPATOS SUJOS

Post texto Sapatos Sujos

(Extraído do Vertical N° 781, 782 e 783 de Março 2005)  A opinião de: Mia Couto *
 Oração de Sapiência na abertura do ano lectivo no ISCTEM


Começo pela confissão de um sentimento conflituoso: é um prazer e uma honra ter recebido este convite e estar aqui convosco. Mas, ao mesmo tempo, não sei lidar com este nome pomposo: “oração de sapiência”. De propósito, escolhi um tema sobre o qual tenho apenas algumas, mal contidas, ignorâncias. Todos os dias somos confrontados com o apelo exaltante de combater a pobreza. E todos nós, de modo generoso e patriótico, queremos participar nessa batalha. Existem, no entanto, várias formas de pobreza. E há, entre todas, uma que escapa às estatísticas e aos indicadores numéricos: é a penúria da nossa reflexão sobre nós mesmos. Falo da dificuldade de nós pensarmos como sujeitos históricos, como lugar de partida e como destino de um sonho.

Falarei aqui na minha qualidade de escritor tendo escolhido um terreno que é a nossa interioridade, um território em que somos todos amadores. Neste domínio ninguém tem licenciatura, nem pode ter a ousadia de proferir orações de “sapiência”. O único segredo, a única sabedoria é sermos verdadeiros, não termos medo de partilhar publicamente as nossas fragilidades. É isso que venho fazer, partilhar convosco algumas das minhas dúvidas, das minhas solitárias cogitações.

Começo por um fait-divers. Há agora um anúncio nas nossas estações de rádio em que alguém pergunta à vizinha: diga-me minha senhora, o que é que se passa em sua casa, o seu filho é chefe de turma, as suas filhas casaram muito bem, o seu marido foi nomeado director, diga-me, querida vizinha, qual é o segredo? E a senhora responde: é que lá em casa nós comemos arroz marca…(não digo a marca porque não me pagaram este momento publicitário).

Seria bom que assim que fosse, que a nossa vida mudasse só por consumirmos um produto alimentar. Já estou a ver o nosso Magnifico Reitor a distribuir o mágico arroz e a abrirem-se no ISCTEM as portas para o sucesso e para a felicidade. Mas ser- se feliz é, infelizmente, muito mais trabalhoso.

No dia em que eu fiz 11 anos de idade, a 5 de Julho de 1966, o Presidente Kenneth Kaunda veio aos microfones da Rádio de Lusaka para anunciar que um dos grandes pilares da felicidade do seu povo tinha sido construído. Não falava de nenhuma marca de arroz. Ele agradecia ao povo da Zâmbia pelo seu envolvimento na criação da primeira universidade no país. Uns meses antes, Kaunda tinha lançado um apelo para que cada zambiano contribuísse para construir a Universidade. A resposta foi comovente: dezenas de milhares de pessoas corresponderam ao apelo. Camponeses deram milho, pescadores ofertaram pescado, funcionários deram dinheiro. Um país de gente analfabeta juntou-se para criar aquilo que imaginavam ser uma página nova na sua história. A mensagem dos camponeses na inauguração da Universidade dizia: nós demos porque acreditamos que, fazendo isto, os nossos netos deixarão de passar fome.

Quarenta anos depois, os netos dos camponeses zambianos continuam sofrendo de fome. Na realidade, os zambianos vivem hoje pior do que viviam naquela altura. Na década de 60, a Zâmbia beneficiava de um Produto Nacional Bruto comparável aos de Singapura e da Malásia. Hoje, nem de perto nem de longe, se pode comparar o nosso vizinho com aqueles dois países da Ásia.

Algumas nações africanas podem justificar a permanência da miséria porque sofreram guerras. Mas a Zâmbia nunca teve guerra. Alguns países podem argumentar que não possuem recursos. Todavia, a Zâmbia é uma nação com poderosos recursos minerais. De quem é a culpa deste frustrar de expectativas? Quem falhou? Foi a Universidade? Foi a sociedade? Foi o mundo inteiro que falhou? E porque razão Singapura e Malásia progrediram e a Zâmbia regrediu?

Falei da Zâmbia como um país africano ao acaso. Infelizmente, não faltariam outros exemplos. O nosso continente está repleto de casos idênticos, de marchas falhadas, esperanças frustradas. Generalizou-se entre nós a descrença na possibilidade de mudarmos os destinos do nosso continente. Vale a pena perguntarmo-nos: o que está acontecer? O que é preciso mudar dentro e fora de África?

Estas perguntas são sérias. Não podemos iludir as respostas, nem continuar a atirar poeira para ocultar responsabilidades. Não podemos aceitar que elas sejam apenas preocupação dos governos.

Felizmente, estamos vivendo em Moçambique uma situação particular, com diferenças bem sensíveis. Temos que reconhecer e ter orgulho que o nosso percurso foi bem distinto. Acabamos recentemente de presenciar uma dessas diferenças. Desde 1957, apenas seis entre 153 chefes de estado africanos renunciaram voluntariamente ao poder. Joaquim Chissano é o sétimo desses presidentes. Parece um detalhe mas é bem indicativo que o processo moçambicano se guiou por outras lógicas bem diversas.

Contudo, as conquistas da liberdade e da democracia que hoje usufruímos só serão definitivas quando se converterem em cultura de cada um de nós. E esse é ainda um caminho de gerações. Entretanto, pesam sobre Moçambique ameaças que são comuns a todo o continente. A fome, a miséria, as doenças, tudo isso nóspartilhamos com o resto de África. Os números são aterradores: 90 milhões de africanos morrerão com SIDA nos próximos 20 anos. Para esse trágico número, Moçambique terá contribuído com cerca de 3 milhões de mortos. A maior parte destes condenados são jovens e representam exactamente a alavanca com que poderíamos remover o peso da miséria. Quer dizer, África não está só perdendo o seu próprio presente: está perdendo o chão onde nasceria um outro amanhã.

Ter futuro custa muito dinheiro. Mas é muito mais caro só ter passado. Antes da Independência, para os camponeses zambianos não havia futuro. Hoje o único tempo que para eles existe é o futuro dos outros.

Os desafios são maiores que esperança? Mas nós não podemos senão ser optimistas e fazer aquilo que os brasileiros chamam de levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. O pessimismo é um luxo para os ricos.

A pergunta crucial é esta: o que é que nos separa desse futuro que todos queremos? Alguns acreditam que o que falta são mais quadros, mais escolas, mais hospitais. Outros acreditam que precisamos de mais investidores, mais projectos económicos. Tudo isso é necessário, tudo isso é imprescindível. Mas para mim, há uma outra coisa que é ainda mais importante. Essa coisa tem um nome: é uma nova atitude. Se não mudarmos de atitude não conquistaremos uma condição melhor. Poderemos ter mais técnicos, mais hospitais, mais escolas, mas não seremos construtores de futuro.

Falo de uma nova atitude mas a palavra deve ser pronunciada no plural, pois ela compõe um conjunto vasto de posturas, crenças, conceitos e preconceitos. Há muito que venho defendendo que o maior factor de atraso em Moçambique não se localiza na economia mas na incapacidade de gerarmos um pensamento produtivo, ousado e inovador. Um pensamento que não resulte da repetição de lugares comuns, de fórmulas e de receitas já pensadas pelos outros.

Às vezes me pergunto: de onde vem a dificuldade em nós pensarmos como sujeitos da História? Vem sobretudo de termos legado sempre aos outros o desenho da nossa própria identidade. Primeiro, os africanos foram negados. O seu território era a ausência, o seu tempo estava fora da História. Depois, os africanos foram estudados como um caso clínico. Agora, são ajudados a sobreviver no quintal da História.

Estamos todos nós estreando um combate interno para domesticar os nosso antigos fantasmas. Não podemos entrar na modernidade com o actual fardo de preconceitos. À porta da modernidade precisamos de nos descalçar. Eu contei sete sapatos sujos que necessitamos deixar na soleira da porta dos tempos novos. Haverá muitos. Mas eu tinah que escolher e sete é um número mágico.

O primeiro sapato: a  ideia que os culpados são sempre os outros e nós somos sempre vítimas

Nós já conhecemos este discurso. A culpa já foi da guerra, do colonialismo, do imperialismo, do apartheid, enfim, de tudo e de todos. Menos nossa. É verdade que os outros tiveram a sua dose de culpa no nosso sofrimento. Mas parte da responsabilidade sempre morou dentro de casa.

Estamos sendo vítimas de um longo processo de desresponsabilização. Esta lavagem de mãos tem sido estimulada por algumas elites africanas que querem permanecer na impunidade. Os culpados estão à partida encontrados: são os outros, os da outra etnia, os da outra raça, os da outra geografia.

Há um tempo atrás fui sacudido por um livro intitulado Capitalist Nigger: The Road to Success de um nigeriano chamado Chika A. Onyeani. Reproduzi num jornal nosso um texto desse economista que é um apelo veemente para que os africanos renovem o olhar que mantém sobre si mesmos. Permitam-me que leia aqui um excerto dessa carta.
Caros irmãos: Estou completamente cansado de pessoas que só pensam numa coisa: queixar-se e lamentar-se num ritual em que nos fabricamos mentalmente como vítimas. Choramos e lamentamos, lamentamos e choramos. Queixamo-nos até à náusea sobre o que os outros nos fizeram e continuam a fazer. E pensamos que o mundo nos deve qualquer coisa. Lamento dizer-vos que isto não passa de uma ilusão. Ninguém nos deve nada. Ninguém está disposto a abdicar daquilo que tem, com a justificação que nós também queremos o mesmo. Se quisermos algo temos que o saber conquistar. Não podemos continuar a mendigar, meus irmãos e minhas irmãs.
40 anos depois da Independência continuamos a culpar os patrões coloniais por tudo o que acontece na África dos nossos dias. Os nossos dirigentes nem sempre são suficientemente honestos para aceitar a sua responsabilidade na pobreza dos nossos povos. Acusamos os europeus de roubar e pilhar os recursos naturais de África. Mas eu pergunto-vos: digam-me, quem está a convidar os europeus para assim procederem, não somos nós? (fim da citação)

Queremos que outros nos olhem com dignidade e sem paternalismo. Mas ao mesmo tempo continuamos olhando para nós mesmos com benevolência complacente: Somos peritos na criação do discurso desculpabilizante. E dizemos:
·         Que alguém rouba porque, coitado, é pobre (esquecendo que há milhares de outros pobres que não roubam)
·         Que o funcionário ou o polícia são corruptos porque, coitados, tem um salário insuficiente (esquecendo que ninguém, neste mundo, tem salário suficiente)
·         Que o político abusou do poder porque, coitado, na tal África profunda,  essas praticas são antropologicamente legitimas

A desresponsabilização é um dos estigmas mais graves que pesa sobre nós, africanos de Norte a Sul. Há os que dizem que se trata de uma herança da escravatura, desse tempo em que não se era dono de si mesmo. O patrão, muitas vezes longínquo e invisível, era responsável pelo nosso destino. Ou pela ausência de destino.

Hoje, nem sequer simbolicamente, matamos o antigo patrão. Uma das formas de tratamento que mais rapidamente emergiu de há uns dez anos para cá foi a palavra “patrão”. Foi como se nunca tivesse realmente morrido, como se espreitasse uma oportunidade histórica para se relançar no nosso quotidiano. Pode-se culpar alguém desse ressurgimento? Não. Mas nós estamos criando uma sociedade que produz desigualdades e que reproduz relações de poder que acreditávamos estarem já enterradas.


Segundo sapato: a ideia de que o sucesso não nasce do trabalho

Ainda hoje despertei com a notícia que refere que um presidente africano vai mandar exorcizar o seu palácio de 300 quartos porque ele escuta ruídos “estranhos” durante a noite. O palácio é tão desproporcionado para a riqueza do país que demorou 20 anos a ser terminado. As insónias do presidente poderão nascer não de maus espíritos mas de uma certa má consciência. 

O episódio apenas ilustra o modo como, de uma forma dominante, ainda explicamos os fenómenos positivos e negativos. O que explica a desgraça mora junto do que justifica a bem-aventurança. A equipe desportiva ganha, a obra de arte é premiada, a empresa tem lucros, o funcionário foi promovido? Tudo isso se deve a quê? A primeira resposta, meus amigos, todos a conhecemos. O sucesso deve-se à boa sorte. E a palavra “boa sorte” quer dizer duas coisas: a protecção dos antepassados mortos e protecção dos padrinhos vivos.

Nunca ou quase nunca se vê o êxito como resultado do esforço, do trabalho como um investimento a longo prazo. As causas do que nos sucede (de bom ou mau) são atribuídas a forças invisíveis que comandam o destino. Para alguns esta visão causal é tida como tão intrinsecamente “africana” que perderíamos “identidade” se dela abdicássemos. Os debates sobre as “autenticas” identidades são sempre escorregadios. Vale a pena debatermos, sim, se não poderemos reforçar uma visão mais produtiva e que aponte para uma atitude mais activa e interventiva sobre o curso da História.

Infelizmente olhamo-nos mais como consumidores do que produtores. A ideia de que África pode produzir arte, ciência e pensamento  é estranha mesmo para muitos africanos. Ate aqui o continente produziu recursos naturais e força laboral.

Produziu futebolistas, dançarinos, escultores. Tudo isso se aceita, tudo isso reside no domínio daquilo eu se entende como natureza”. Mas já poucos aceitarão que os africanos possam ser produtores de ideias, de ética e de modernidade. Não é preciso que os outros desacreditem. Nós próprios nos encarregamos dessa descrença.

O ditado diz. “o cabrito come onde está amarrado”. Todos conhecemos o lamentável uso deste aforismo e como ele fundamenta a acção de gente que tira partido das situações e dos lugares. Já é triste que nos equiparemos a um cabrito. Mas também é sintomático que, nestes provérbios de conveniência nunca nos identificamos como os animais produtores, como é por exemplo a formiga. Imaginemos que o ditado muda e passar a ser assim: “Cabrito produz onde está amarrado.” Eu aposto que, nesse caso, ninguém mais queria ser cabrito.

Terceiro sapato- O preconceito de quem critica é um inimigo 

Muitas acreditam que, com o fim do monopartidarismo, terminaria a intolerância para com os que pensavam diferente. Mas a intolerância não é apenas fruto de regimes. É fruto de culturas, é o resultado da História. Herdamos da sociedade rural uma noção de lealdade que é demasiado paroquial. Esse desencorajar do espírito crítico é ainda mais grave quando se trata da juventude. O universo rural é fundado na autoridade da idade. Aquele que é jovem, aquele que não casou nem teve filhos, esse não tem direitos, não tem voz nem visibilidade. A mesma marginalização pesa sobre a mulher.

Toda essa herança não ajuda a que se crie uma cultura de discussão frontal e aberta. Muito do debate de ideias é, assim, substituído pela agressão pessoal. Basta diabolizar quem pensa de modo diverso. Existe uma variedade de demónios à disposição: uma cor política, uma cor de alma, uma cor de pele, uma origem social ou religiosa diversa.

Há neste domínio um componente histórico recente que devemos considerar: Moçambique nasceu da luta de guerrilha. Essa herança deu-nos um sentido épico da história e um profundo orgulho no modo como a independência foi conquistada. Mas a luta armada de libertação nacional também cedeu, por inércia, a ideia de que o povo era uma espécie de exército e podia ser comandado por via de disciplina militar. Nos anos pós-independência, todos éramos militantes, todos tínhamos uma só causa, a nossa alma inteira vergava-se em continência na presença dos chefes. E havia tantos chefes. Essa herança não ajudou a que nascesse uma capacidade de insubordinação positiva.

Faço-vos agora uma confidência. No início da década de 80 fiz parte de um grupo de escritores e músicos a quem foi dada a incumbência de produzir um novo Hino Nacional e um novo Hino para o Partido Frelimo. A forma como recebemos a tarefa era indicadora dessa disciplina: recebemos a missão, fomos requisitados aos nossos serviços, e a mando do Presidente Samora Machel fomos fechados numa residência na Matola, tendo-nos sido dito: só saem daí quando tiverem feito os hinos. Esta relação entre o poder e os artistas só é pensável num dado quadro histórico. O que é certo é que nós aceitámos com dignidade essa incumbência, essa tarefa surgia como uma honra e um dever patriótico. E realmente lá nos comportamos mais ou menos bem. Era um momento de grandes dificuldades …e as tentações eram muitas. Nessa residência na Matola havia comida, empregados, piscina… num momento em que tudo isso faltava na cidade. Nos primeiros dias, confesso nós estávamos fascinados com tanta mordomia e ficávamos preguiçando e só corríamos para o piano quando ouvíamos as sirenes dos chefes que chegavam. Esse sentimento de desobediência adolescente era o nosso modo de exercermos uma pequena vingança contra essa disciplina de regimento.

Na letra de um dos hinos lá estava reflectida essa tendência militarizada, essa aproximação metafórica a que já fiz referência:

Somos soldados do povo
Marchando em frente

Tudo isto tem que ser olhado no seu contexto sem ressentimento. Afinal, foi assim, que nasceu a Pátria Amada, este hino que nos canta como um só povo, unido por um sonho comum.


Quarto sapato: a ideia que mudar as palavras muda a realidade

Uma vez em Nova Iorque um compatriota nosso fazia uma exposição sobre a situação da nossa economia e, a certo momento, falou de mercado negro. Foi o fim do mundo. Vozes indignadas de protesto se ergueram e o meu pobre amigo teve que interromper sem entender bem o que se estava a passar. No dia seguinte recebíamos uma espécie de pequeno dicionário dos termos politicamente incorrectos. Estavam banidos da língua termos como cego, surdo, gordo, magro, etc…

Nós fomos a reboque destas preocupações de ordem cosmética. Estamos reproduzindo um discurso que privilegia o superficial e que sugere que, mudando a cobertura, o bolo passa a ser comestível. Hoje assistimos, por exemplo, a hesitações sobre se devemos dizer “negro” ou “preto”. Como se o problema estivesse nas palavras, em si mesmas. O curioso é que, enquanto nos entretemos com essa escolha, vamos mantendo designações que são realmente pejorativas como as de mulato e de monhé.

Há toda uma geração que está aprendendo uma língua – a língua dos workshops. É uma língua simples uma espécie de crioulo a meio caminho entre o inglês e o português. Na realidade, não é uma língua mas um vocabulário de pacotilha. Basta saber agitar umas tantas palavras da moda para falarmos como os outros isto é, para não dizermos nada. Recomendo-vos fortemente uns tantos termos como, por exemplo:

- desenvolvimento sustentável
- awarenesses ou accountability
- boa governação
- parcerias sejam elas inteligentes ou não
- comunidades locais


Estes ingredientes devem ser usados de preferência num formato “powerpoint. Outro segredo para fazer boa figura nos workshops é fazer uso de umas tantas siglas. Porque um workshopista de categoria domina esses códigos. Cito aqui uma possível frase de um possível relatório: Os ODMS do PNUD equiparam-se ao NEPAD da UA e ao PARPA do GOM. Para bom entendedor meia sigla basta.

Sou de um tempo em que o que éramos era medido pelo que fazíamos. Hoje o que somos é medido pelo espectáculo que fazemos de nós mesmos, pelo modo como nos colocamos na montra. O CV, o cartão de visitas cheio de requintes e títulos, a bibliografia de publicações que quase ninguém leu, tudo isso parece sugerir uma coisa: a aparência passou a valer mais do que a capacidade para fazermos coisas.

Muitas das instituições que deviam produzir ideias estão hoje produzindo papéis, atafulhando prateleiras de relatórios condenados a serem arquivo morto. Em lugar de soluções encontram-se problemas. Em lugar de acções sugerem-se novos estudos.


Quinto sapato A vergonha de ser pobre e o culto das aparências

A pressa em mostrar que não se é pobre é, em si mesma, um atestado de pobreza. A nossa pobreza não pode ser motivo de ocultação. Quem deve sentir vergonha não é o pobre mas quem cria pobreza.

Vivemos hoje uma atabalhoada preocupação em exibirmos falsos sinais de riqueza. Criou-se a ideia que o estatuto do cidadão nasce dos sinais que o diferenciam dos mais pobres.

Recordo-me que certa vez entendi comprar uma viatura em Maputo. Quando o vendedor reparou no carro que eu tinha escolhido quase lhe deu um ataque. “Mas esse, senhor Mia, o senhor necessita de uma viatura compatível”. O termo é curioso: “compatível”.

Estamos vivendo num palco de teatro e de representações: uma viatura já é não um objecto funcional. É um passaporte para um estatuto de importância, uma fonte de vaidades. O carro converteu-se num motivo de idolatria, numa espécie de santuário, numa verdadeira obsessão promocional.

Esta doença, esta religião que se podia chamar viaturolatria atacou desde o dirigente do Estado ao menino da rua. Um miúdo que não sabe ler é capaz de conhecer a marca e os detalhes todos dos modelos de viaturas. É triste que o horizonte de ambições seja tão vazio e se reduza ao brilho de uma marca de automóvel.

É urgente que as nossas escolas exaltem a humildade e a simplicidade como valores positivos.

A arrogância e o exibicionismo não são, como se pretende, emanações de alguma essência da cultura africana do poder. São emanações de quem toma a embalagem pelo conteúdo.

Sexto Sapato A passividade perante a injustiça 

Estarmos dispostos a denunciar injustiças quando são cometidas contra a nossa pessoa, o nosso grupo, a nossa etnia, a nossa religião. Estamos menos dispostos quando a injustiça é praticada contra os outros. Persistem em Moçambique zonas silenciosas de injustiça, áreas onde o crime permanece invisível. Refiro-me em particular à:

violência domestica (40 por cento dos crimes resultam de agressão domestica contra mulheres, esse é um crime invisível)
- violência contra as viúvas
à forma aviltante como são tratados muitos dos trabalhadores
aos maus tratos infligidos às crianças

Ainda há dias ficamos escandalizados com o recente anúncio que privilegiava candidatos de raça branca. Tomaram-se medidas imediatas e isso foi absolutamente correcto. Contudo, existem convites à discriminação que são tão ou mais graves e que aceitamos como sendo naturais e inquestionáveis.

Tomemos esse anúncio do jornal e imaginemos que ele tinha sido redigido de forma correcta e não racial. Será que tudo estava bem? Eu não sei se todos estão a par de qual é a tiragem do jornal Notícias. São 13 mil exemplares. Mesmo se aceitarmos que cada jornal é lido por 5 pessoas, temos que o numero de leitores é menor que a população de um bairro de Maputo. É dentro deste universo que circulam convites e os acessos a oportunidades. Falei na tiragem mas deixei de lado o problema da circulação. Por que geografia restrita circulam as mensagens dos nossos jornais? Quanto de Moçambique é deixado de fora ? 

É verdade que esta discriminação não é comparável à do anúncio racista porque não é não resultado de acção explícita e consciente. Mas os efeitos de discriminação e exclusão destas práticas sociais devem ser pensados e não podem cair no saco da normalidade. Esse “bairro” das 60 000 pessoas é hoje uma nação dentro da nação, uma nação que chega primeiro, que troca entre si favores, que vive em português e dorme na almofada na escrita. 

Um outro exemplo. Estamos administrando anti-retro-virais a cerca de 30 mil doentes com SIDA. Esse número poderá, nos próximos anos, chegar aos 50 000. Isso significa que cerca de um milhão quatrocentos e cinquenta mil doentes ficam excluídos de tratamento. Trata-se de uma decisão com implicações éticas terríveis. Como e quem decide quem fica de fora? É aceitável, pergunto, que a vida de um milhão e meio de cidadãos esteja nas mãos de um pequeno grupo técnico?


Sétimo sapato - A ideia de que para sermos modernos temos que imitar os outros

Todos os dias recebemos estranhas visitas em nossa casa. Entram por uma caixa mágica chamada televisão. Criam uma relação de virtual familiaridade. Aos poucos passamos a ser nós quem acredita estar vivendo fora, dançando nos braços de Janet Jackson. O que os vídeos e toda a sub-indústria televisiva nos vem dizer não é apenas “comprem”. Há todo um outro convite que é este: “sejam como nós”. Este apelo à imitação cai como ouro sobre azul: a vergonha em sermos quem somos é um trampolim para vestirmos esta outra máscara.

O resultado é que a produção cultural nossa se está convertendo na reprodução macaqueada da cultura dos outros. O futuro da nossa música poderá ser uma espécie de hip-hop tropical, o destino da nossa culinária poderá ser o Mac Donald’s

Falamos da erosão dos solos, da deflorestação, mas a erosão das nossas culturas é ainda mais preocupante. A secundarização das línguas moçambicanas (incluindo da língua portuguesa) e a ideia que só temos identidade naquilo que é folclórico são modos de nos soprarem ao ouvido a seguinte mensagem: só somos modernos se formos americanos.

O nosso corpo social tem a uma história similar a de um indivíduo. Somos marcados por rituais de transição: o nascimento, o casamento, o fim da adolescência, o fim da vida.

Eu olho a nossa sociedade urbana e pergunto-me: será que queremos realmente ser diferentes ? Porque eu vejo que esses rituais de passagem se reproduzem como fotocópia fiel daquilo que eu sempre conheci na sociedade colonial. Estamos dançando a valsa, com vestidos compridos, num baile de finalistas que é decalcado daquele do meu tempo. Estamos copiando as cerimónias de final do curso a partir de modelos europeus de Inglaterra medieval. Casamo-nos de véus e grinaldas e atiramos para longe da Julius Nyerere tudo aquilo que possa sugerir uma cerimónia mais enraizada na terra e na tradição moçambicanas.

Falei da carga de que nos devemos desembaraçar para entrarmos a corpo inteiro na modernidade. Mas a modernidade não é uma porta apenas feita pelos outros. Nós somos também carpinteiros dessa construção e só nos interessa entrar numa modernidade de que sejamos também construtores.

A minha mensagem é simples: mais do que uma geração tecnicamente capaz, nós necessitamos de uma geração capaz de questionar a técnica. Uma juventude capaz de repensar o país e o mundo. Mais do que gente preparada para dar respostas, necessitamos de capacidade para fazer perguntas. Moçambique não precisa apenas de caminhar. Necessita de descobrir o seu próprio caminho num tempo enevoado e num mundo sem rumo. A bússola dos outros não serve, o mapa dos outros não ajuda. Necessitamos de inventar os nossos próprios pontos cardeais. Interessa-nos um passado que não esteja carregado de preconceitos, interessa-nos um futuro que não nos venha desenhado como um receita financeira.

A Universidade deve ser um centro de debate, uma fábrica de cidadania activa, uma forja de inquietações solidárias e de rebeldia construtiva. Não podemos treinar jovens profissionais de sucesso num oceano de miséria. A Universidade não pode aceitar ser reprodutor da injustiça e da desigualdade. Estamos lidando com jovens e com aquilo que deve ser um pensamento jovem, fértil e produtivo. Esse pensamento não se encomenda, não nasce sozinho. Nasce do debate, da pesquisa inovadora, da informação aberta e atenta ao que de melhor está surgindo em África e no mundo.

A questão é esta: fala-se muito dos jovens. Fala-se pouco com os jovens. Ou melhor, fala-se com eles quando se convertem num problema. A juventude vive essa condição ambígua, dançando entre a visão romantizada (ela é a seiva da Nação) e uma condição maligna, um ninho de riscos e preocupações (a SIDA, a droga, o desemprego).

Não foi apenas a Zâmbia a ver na educação aquilo que o naufrago vê num barco salva-vidas. Nós também depositamos os nossos sonhos nessa conta. 

Numa sessão pública decorrida no ano passado em Maputo um já idoso nacionalista disse, com verdade e com coragem, o que já muitos sabíamos. Ele confessou que ele mesmo e muitos dos que, nos anos 60, fugiam para a FRELIMO não eram apenas motivados por dedicação a uma causa independentista. Eles arriscaram-se e saltaram a fronteira do medo para terem possibilidade de estudar. O fascínio pela educação como um passaporte para uma vida melhor estava presente um universo em que quase ninguém podia estudar. Essa restrição era comum a toda a África. Até 1940 o número de africanos que frequentavam escolas secundárias não chegava a 11 000. Hoje, a situação melhorou e esse número foi multiplicado milhares e milhares de vezes. O continente investiu na criação de novas capacidades. E esse investimento produziu, sem dúvida, resultados importantes.

Aos poucos se torna claro, porém, que mais quadros técnicos não resolvem, só por si, a miséria de uma nação. Se um país não possuir estratégias viradas para a produção de soluções profundas então todo esse investimento não produzirá a desejada diferença. Se as capacidades de uma nação estiverem viradas para o enriquecimento rápido de uma pequena elite então de pouco valerá termos mais quadros técnicos.

A escola é um meio para querermos o que não temos. A vida, depois, nos ensina a termos aquilo que não queremos. Entre a escola e a vida resta-nos ser verdadeiros e confessar aos mais jovens que nós também não sabemos e que, nós, professores e pais, também estamos à procura de respostas.

Com o novo governo ressurgiu o combate pela auto-estima. Isso é correcto e é oportuno. Temos que gostar de nós mesmos, temos que acreditar nas nossas capacidades. Mas esse apelo ao amor-próprio não pode ser fundado numa vaidade vazia, numa espécie de narcisismo fútil e sem fundamento. Alguns acreditam que vamos resgatar esse orgulho na visitação do passado. É verdade que é preciso sentir que temos raízes e que essas raízes nos honram. Mas a auto-estima não pode ser construída apenas de materiais do passado.

Na realidade, só existe um modo de nos valorizar: é pelo trabalho, pela obra que formos capazes de fazer. É preciso que saibamos aceitar esta condição sem complexos e sem vergonha: somos pobres. Ou melhor, fomos empobrecidos pela História. Mas nós fizemos parte dessa História, fomos também empobrecidos por nós próprios. A razão dos nossos actuais e futuros fracassos mora também dentro de nós.

Mas a força de superarmos a nossa condição histórica também reside dentro de nós. Saberemos como já soubemos antes conquistar certezas que somos produtores do nosso destino. Teremos mais e mais orgulho em sermos quem somos: moçambicanos construtores de um tempo e de um lugar onde nascemos todos os dias. É por isso que vale a pena aceitarmos descalçar não só os setes mas todos os sapatos que atrasam a nossa marcha colectiva. Porque a verdade é uma: antes vale andar descalço do que tropeçar com os sapatos dos outros.

*Antônio Emílio Leite Couto ou apenas Mia Couto nasceu em 5 de julho de 1955 (55 anos) em Beira, Moçambique.
Cursava Medicina, quando logo iniciou os primeiros trabalhos no Jornalismo. Abandonou a medicina, e passou a se dedicar inteiramente à escrita.
Seu gênero literário é o realismo mágico, ficção histórica e teve influências de Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Eugênio de Andrade, Sofia de Mello Breyner, João Cabral de Melo Neto, Fernando Pessoa e José Luandino Vieira. É considerado um dos nomes mais importantes da nova geração de escritores africanos de língua portuguesa. Fonte: http://www.macua.org/

Subemprego e submoradia


Moradores do município de Viamão no Rio Grande do Sul, sofrem com constantes enchentes  Foto: Mateus Bruxel / Agência RBS/http://diariogaucho.clicrbs.com.br



A urbanização se acelerou com o processo de industrialização e cada vez mais a população se concentra em cidades. Entretanto a urbanização é desigual, tendo regiões e países muito urbanizados, e outros ainda predominantemente rurais, porém mesmo nesses países, o processo de urbanização vem se acelerando.

Chamamos de processo de urbanização a transformação de espaços naturais e rurais em espaços urbanos, assim como a transferência em larga escala da população do campo para a cidade (êxodo rural) em razão de diversos fatores.
Com o advento do capitalismo comercial, as cidades passaram a ganhar mais importância por serem os centros dos negócios, mas foi a partir do capitalismo industrial que teve inicio um processo de urbanização consistente.

O processo de urbanização se acelerou com as revoluções industriais, e os primeiros países a se industrializarem são hoje desenvolvidos. A África subsaariana e o sul da Ásia até hoje são até hoje regiões muito pouco urbanizadas, e as pessoas na África são fortemente concentradas em uma única grande cidade, normalmente a capital.
Não se pode estabelecer uma associação direta entre urbanização e industrialização, pois nos países subdesenvolvidos, a urbanização tem se acelerado mesmo sem a ocorrência da industrialização. Nos países desenvolvidos e em alguns emergentes tem havido um processo de transferência de indústrias das grandes para as médias e pequenas cidades, promovendo uma descentralização urbano-industrial. O setor que mais tem crescido, principalmente nas grandes cidades, é o de serviços.

Em todo o mundo, há cidades pequenas, médias, grandes e gigantescas. Há as mais bem equipadas e as mais precárias. As cidades tendem a ficar cada vez mais parecidas: nos últimos anos a globalização intensificou a difusão dos valores e modos de vida urbano-industriais, cujo modelo mais visível é a cidade norte-americana. Muitas cidades se especializam em algumas funções, o que lhes dá características particulares, enquanto outras são multifuncionais.

A metrópole não deve ser definida simplesmente como uma cidade grande, mas como um conjunto de cidades conurbadas, ou seja, interligadas pela expansão periférica da malha urbana ou pela integração socioeconômica comandada pelo processo de industrialização. Há sempre um município-núcleo, com maior capacidade polarizadora.

A megalópole se forma quando os fluxos de pessoas, capitais, informações, mercadorias e serviços entre duas ou mais metrópoles estão plenamente integrados por modernas redes de transporte e comunicação, mesmo que existam espaços agrícolas em seu interior, ou seja, não é necessário que todas as cidades estejam conurbadas.

As cidades globais desempenham um papel muito importante na rede urbana mundial, localizadas sobretudo nos países desenvolvidos, assumem importância primordial na rede mundial de fluxos.

Todos os países desenvolvidos, assim como alguns emergentes, apresentam altas taxas de urbanização. Todos os países industrializados são urbanizados. Há países que apresentam índices muito baixos de industrialização e outros que praticamente não dispõe de um parque industrial, mas que, mesmo assim, são urbanizados.

Há dois fatores que transferem a população da zona rural para a zona urbana: os atrativos, que movem as populações para as cidades, e os repulsivos, que as repelem do campo.

Os fatores atrativos, predominantes em países desenvolvidos e em regiões modernas dos emergentes, estão ligados ao processo de industrialização, com a geração de empregos nas indústrias nas cidades, alem da revolução agrícola, que possibilitou pessoas do campo irem para as cidades. Durante a revolução industrial, as principais cidades dos países desenvolvidos europeus tiveram um crescimento urbano muito rápido e conseqüentemente uma deterioração da qualidade de vida dos trabalhadores. A intensa circulação de mercadorias e de pessoas ocasionaram o desenvolvimento de outras cidades, que formara, uma densa e articulada rede urbana.

Os fatores repulsivos são típicos de países subdesenvolvidos. São eles as péssimas condições de vida na zona rural, baixos salários, falta de apoio à pequenos agricultores, tendo como resultado transferência da população do campo para as cidades, causando agravamento dos problemas urbanos, ocorrendo a macrocefalia urbana.

A macrocefalia urbana seve ser entendida como o resultado da grande concentração das atividades econômicas e da população de algumas cidades, que acaba se tornando muito grande comparativamente com o total da população do país. Os países subdesenvolvidos, com pessoas vindas do campo para as cidades, apresentam altas taxas de natalidade, portando alto crescimento demográfico, tendo como conseqüência o subemprego, a submoradia e a violência.


Desigualdade e segregação espacial
Em qualquer grande cidade do mundo, o espaço urbano é fragmentado, existindo partes como centros comerciais, financeiros, industriais, residências e de lazer. É comum mais de uma função ser encontrada no mesmo bairro, fazendo com que as cidades se tornem policêntricas, ou seja, cada bairro mais importante possui seu próprio centro. Essa fragmentação, quase sempre associada a um intenso crescimento urbano, impede os cidadãos de vivenciar a cidade por inteiro, vivendo apenas próximo ao seu local de moradia. A grande cidade não é um lugar, mas um conjunto de lugares, e que as pessoas a vivencial parcialmente.

As desigualdades sócias se materializam na paisagem urbana. quanto maiores as diferenças entre grupos e classes sociais, maiores as desigualdades de moradia, de acesso aos serviços públicos e de qualidade de vida. Maior a segregação espacial.
O medo da violência urbana impulsionou a criação dos condomínios fechados. Buscando segurança e tranqüilidade, muitas pessoas de alto poder aquisitivo mudam para este tipo de moradia, que se multiplicou nos últimos anos, sobretudo nas grandes cidades, acentuando a exclusão social e reduzindo os espaços urbanos públicos, uma vez que propicia o crescimento de espaços privados e de circulação restrita.

Subemprego e submoradia

As grandes cidades dos países subdesenvolvidos não tem capacidade de acomodar a quantidade de migrantes da zona rural, por isso começa a aumentar o numero de desempregados. Para sobreviverem, muitas pessoas aceitam subempregos, os quais tem rendimento muito baixos, não podendo ter casa própria, aumentando as favelas e cortiços. Essa é a face mais visível do crescimento desordenado das cidades e da segregação espacial urbana.

Na foto: auxiliares de uma fábricas de sacolas e embalagens de papel

A carência de habitações seguras e confortáveis é um problema grave, e na tentativa de encontrar soluções, ouve a conferencia das nações unidas, onde foram discutidas entre outros problemas urbanos, a questão da moradia, sobretudo nas grandes cidades. Decidiu-se que os governos deveriam criar condições de acesso a moradia segura e habitável para a população, porem diversos governos não concordaram.

Violência urbana
A violência urbana atinge milhares de pessoas, principalmente em países subdesenvolvidos. A violência não esta necessariamente associada a pobreza. Ela é acentuada em países onde há muita desigualdade socioeconômica. Dentro de um país a violência também é desigual, tendo regiões mais violentas, e grupos sociais mais expostos a homicídios. Os estados mais violentos não são os mais pobres, e sim os mais desiguais. O índice de violência também varia de cidade para cidade.

Rede e hierarquia urbanas
A rede urbana é formada pelo sistema de cidades – de um mesmo país ou de países vizinhos – que se interligam uma às outras pelos sistemas de transportes e de comunicações, por meio dos quais ocorrem os fluxos de pessoas, mercadorias, informações e capitais. Quanto mais complexa a economia de um país ou de uma região, maiores são sua taxa de urbanização e a quantidade de cidades, mais densa é sua rede urbana e maiores são os fluxos que as interligam. As redes de cidades mais densas e articuladas desenvolvem-se em regiões onde se localizam as megalópoles.
Com a entrada do capitalismo em sua etapa informacional, com o advento da globalização e a conseqüente aceleração de fluxos no espaço geográfico planetário, já se pode falar numa rede urbana mundial, cujos nós são as cidades globais.
A hierarquia urbana é uma tentativa de apreender as relações que se estabelecem entre as cidades no interior de uma rede. Esse conceito foi tomado do jargão militar e se refere a uma rígida hierarquia.

Esquema clássico: metrópole nacional, metrópole regional, centro regional, cidade local, vila. Com a redução do tempo e das distancias, as relações entre as cidades já não respeitavam o esquema clássico.

Esquema atual: todos podem se dar com todos.

Atualmente uma pessoa que mora num sítio, por meio da internet e telefone pode estar mais integrada que outra que mora dentro da cidade, mas que mora em uma favela ou cortiço, onde não possui acesso a muitos bens e serviços. Portanto, o que define a integração ou não das pessoas à moderna sociedade capitalista é a maior ou menos disponibilidade de renda para o acesso à novas tecnologias do que as distancias que separam os lugares.

Nos países desenvolvidos, é cada vez mais comum a descentralização das indústrias instaladas em cidades menores e na zona rural, nos eixos de rodovias e ferrovias. Não há mais a clássica separação de campo e cidade e indústria e agricultura, pois tudo esta interligado e trabalhando em conjunto em prol do capital.

As cidades na economia global
Na atual tapa informacional do capitalismo, a rede e a hierarquia urbanas se estruturam em escala mundial, de forma muito mais densa do que em períodos históricos anteriores. A revolução técnico-científica viabilizou um aumento na velocidade dos transportes e das telecomunicações, reduzindo o tempo de deslocamentos de pessoas, mercadorias e informações entre os lugares. O avanço tecnológico, além de acelerar todas as modalidades de circulação, diferenciou o tempo necessário ao transporte da matéria. As informações viajam praticamente a velocidade da luz. Avanços tecnológicos são a base da globalização, que tem favorecido a dispersão de produtos pelos lugares do mundo.

A descentralização das indústrias, que rumam para as cidades médias, pequenas e até mesmo para a zona rural, contribuiu para reforçar o papel de comando de muitas das grandes cidades e mesmo de algumas médias, como centros de serviços especializados e de apoio a produção.

A maioria das cidades consideradas globais tem uma influencia regional, poucas de fato influenciam o mundo inteiro. Ex: Nova York, Tóquio, Paris, Londres.
Para uma cidade ser megacidade, ela precisa ter mais de 10 milhões de habitantes. Nem toda cidade global é megacidade. As megacidades estão crescendo e ganhando importância, sobretudo nos países periféricos. Das 20 megacidades existentes no mundo, 15 estavam em países subdesenvolvidos ou emergentes. A maioria delas apresenta elevado crescimento. As megacidades dos países ricos cresceram pouco.
Há no total 55 cidades globais. Quanto maiores a oferta de bens e serviços e a densidade e a qualidade da infra-estrutura urbana, maiores são o poder e a influencia de uma cidade global.

As cidades a urbanização brasileira
Atualmente há cidades de diferentes tamanhos e densidades demográficas, de diversas condições socioeconômicas e ambientais. Algumas desempenham apenas uma função urbana enquanto outras tem múltiplas atividades. Algumas apresentam grande desigualdade social, outras não. Todos esses aspectos se refletem na organização do espaço urbano e são visíveis na paisagem.
Na maioria dos países, a classificação de uma aglomeração humana como cidade leva em consideração algumas variáveis como: densidade demográfica, número de habitantes, localização, presença de equipamentos urbanos como comércio, escolas, postos de saúde...
Considera população urbana as pessoas que residem no interior do perímetro urbano de cada município e população rural as que residem fora desse perímetro. Essa definição permite as autoridades a considerarem uma área maior do que deveria como perímetro urbano para aumentar sua arrecadação com o IPTU, que é maior que o ITR.

Já que municípios de qualquer extensão territorial e tamanho de população têm zona estabelecida como urbana, algumas aglomerações cercadas por florestas, pastagens, áreas de cultivo são classificadas como regiões urbanas.

População urbana, rural e agrícola
A metodologia utilizada na definição das populações urbana e rural resulta em distorções. Os índices de população urbana vêm aumentando em quase todo o país em razão da migração rural para a área urbana. atualmente a distinção entre população urbana e rural tornou-se mais complexa, pois é considerável o numero de pessoas que trabalham em atividades rurais e residem nas cidades, assim como de moradores da área rural que trabalham no meio urbano.


A rede urbana brasileira
Aportaram portugueses de várias profissões por determinação do rei de Portugal, para formar e construir a primeira cidade brasileira. As demais vilas da colônia, assim que atingiam certo nível de desenvolvimento, recebiam o título de cidade. A partir da republica, as vilas passaram a ser chamadas de cidades, e seu território passou a ser designado como município. Ao longo há história, houve grande concentração de cidades na faixa litorânea. Em 1953 haviam 2273 municípios no Brasil.

Considerando-se a viabilidade financeira desses novos municípios, concluiu-se que nem sempre há condições para sua sobrevivência. Assim muitos deles acabaram deficitários, dependentes de auxilio estadual e federal, o que aumenta o déficit público. Entretanto, para a população local, a criação de um novo município costumava parecer um grande feito, porem a partir de 2001, com a lei da responsabilidade fiscal, estabeleceu certa autonomia aos distritos e regulamentou as condições de repasse de verbas entre as esferas de governos.

Podemos dividir o processo de urbanização e estruturação brasileira em 4 etapas:
1- Até a década de 1930 as migrações e o processo de urbanização se organizavam em escala regional, com as respectivas metrópoles funcionando como pólos de atividades secundárias e terciárias. As atividades econômicas, que impulsionam a urbanização desenvolviam-se de forma independente e esparsa pelo território.
2- A partir da década de 1930, à medida que a infra-estrutura de transportes e telecomunicações se expandia pelo país, o mercado se unificou, mas a tendência de concentração das atividades urbano-industriais na região sudeste atraiu um enorme contingente de mão-de-obra das regiões que não acompanharam o mesmo ritmo de crescimento econômica, tornando o Rio e São Paulo metrópoles nacionais.
3- Entre as décadas de 1950 e 1980, ocorreu intenso êxodo rural e migração inter-regional com forte aumento da população metropolitana no sudeste, nordeste e sul. Houve a concentração progressiva e acentuada da população em cidades que cresciam velozmente.

4- Da década de 1980 aos dias atuais, o maior crescimento tende a ocorrer nas metrópoles regionais e cidades médias, com predomínio da migração urbana-urbana.
Num mundo cada vez mais globalizado, há um reforço do papel de comando de algumas cidades globais na rede urbana mundial, como é o caso de são Paulo. A metrópole paulistana é um importante centro de serviços especializados de apoio a atividades produtivas, que, muitas vezes, saem dela em direção a cidades menores.
O governo federal concentrou investimentos de infra-estrutura industrial na região sudeste, que, em conseqüência, tornou-se o grande centro de atração populacional do país, ocorrendo crescente migração da população do campo. Os migrantes eram desqualificados e mal-pagos que foram morar nas periferias das grandes cidades, em locais sem infra-estrutura urbana adequada, morando muito em favelas e cortiços.

Metrópoles brasileiras
Em 2006 o Brasil possuía 26 regiões metropolitanas envolvendo 413 municípios. As regiões metropolitanas brasileiras foram criadas por lei no Congresso Nacional, que as definiu como um conjunto de municípios contíguos e integrados socioeconomicamente a uma cidade central, com serviços públicos e infra-estrutura comum.
A medida que as cidades vão se expandindo, ocorre a conurbação, ou seja, elas se tornam contínuas e integradas, e os problemas de infra-estrutura urbana passam a ser comuns ao conjunto de municípios da metrópole.

O plano diretor e o estatuto da cidade
Plano diretor é um conjunto de leis que estabelece as diretrizes para o desenvolvimento socioeconômico e a preservação ambiental dos municípios, regulamentando o uso e a ocupação do território municipal, especialmente o solo urbano.
O estatuto da cidade fornece as principais diretrizes a serem aplicadas nos municípios do país, como a regularização da posse dos terrenos e imóveis, sobretudo nas áreas de baixa renda que tiverem ocupação irregular, organização das relações entre a cidade e o campo e garantia de preservação e recuperação ambiental.  Fonte  http://annabucharles.blogspot.com.br

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