Psicologia social das organizações Katz e Kahn |
O livro de Katz e Kahn não é essencialmente um livro
sobre administração. Diferentemente dos outros textos já estudados, o
foco dos autores, ao menos nos capítulos lidos, não é específico na
função administrativa ou em suas diversas vertentes e possibilidades de
implantação. Ao invés disso, o livro Psicologia Social das organizações
foca-se basicamente no que seu título descreve: a estrutura social e as
diversas formas de interações psicológicas que se desenvolvem dentro das
organizações, enquanto aglomerados humanos e portanto dotados de
fenômenos similares à sociedade em si.
Desde o início há uma forte tendência do livro a estabelecer uma
série de parâmetros e metáforas, com o objetivo de identificar de fato o
que é uma organização, e contextualizar esse conceito, comparando-o com
diversos conceitos da ciência, seja biológica, física ou social. O
principal desses conceitos é provavelmente o de sistema aberto, que é
revisitado diversas vezes durante o livro e referenciado de forma
recorrente. Segundo os autores, os estudos dos fenômenos sociais nas
organizações estavam presos até então a uma visão reclusa, comparável à
de um sistema fechado da física. Em sistemas desse tipo, não existe
troca de energia com o meio externo, e todos os fenômenos são
consequências de estados iniciais internos, que também geram
consequências locais, nunca influindo no meio externo. De acordo com o
texto, essa é uma visão equivocada e minimalista da realidade, que não
pode ser usada para avaliar as organizações de forma eficiente.
Os autores tentam fazer um paralelo de uma organização com um sistema
de troca de energia. Num sistema desses, a energia recebida do ambiente
provoca transformações no sistema, e essas transformaços tendem a
consumir a energia recebida, transformando-a em alguma outra forma de
energia. Nas organizações sociais, essa “energia” seria a motivação que
se tem para transformar insumos em produtos, num ciclo que se mantém
alimentando-se dessa metáfora energética. Vale ressaltar que essa
metáfora não é de forma alguma restritiva: a energia no caso pode ser
dinheiro, no caso de organizações com fins lucrativos, ou a simples
vontade de ajudar, no caso de organizações filantrópicas.
Para identificar organizações, contextualizá-las e assim poder
estudá-las, os autores sugerem então que pensemos nelas como sistemas. É
preciso tomar cuidado ao se usar as metáforas biológicas e físicas,
pois as organizações, por mais que sejam comparáveis a sistemas abertos,
estão longe de possuir o nível de interdependência e influências
externas que a natureza possui. Nesse ponto podemos abrir um parêntese
para a Computação. Na Ciência da Computação trabalhamos frequentemente
com o conceito de abstração. A idéia básica dessa estratégia é que os
sistemas computacionais devem ser implementados em camadas e blocos
interdependentes, mas completamente isolados, e que suas relações são
estabelecidas através de interfaces. Isso significa que um programa ou
protocolo é constituído de diversos módulos distintos, cada um com
funções bastante específicas, e que um se comunica com o outro através
de funções pré-estabelecidas e imutáveis. Extrapolando os conceitos
podemos aplicar esse conceito à interação entre os sistemas sociais:
todos possuem funções distintas e são relativamente independentes, e ao
mesmo tempo se comunicam, trocando informações, insumos e produtos.
De posse dessa nova concepção, podemos explorar o conceito de sistema
que os autores estabelecem. Uma organização seria um sistema aberto,
constituído por subsistemas com características distintas, porém uma
estrutura similar. Haveria ainda supersistemas maiores que a
organização: podemos entendê-los como países, mercado financeiro, ou o
próprio planeta Terra, dependendo do contexto em que estivermos
estudando. Essa divisão em sistemas nos faz tender também a uma divisão
em funções. O livro estabelece alguns sistemas padrão e através desses
discute as funções de cada sistema, bem como as motivações de sua
existência.
A idéia de subsistemas com funções específicas de Katz e Kahn
assemelha-se bastante à idéia de funções administrativas da
administração científica, os autores fazem até mesmo uma espécie de
paralelo entre essas funcionalidades, associando por exemplo o
Subsistema de Gerência à Função Administrativa. Nesse ponto a sociologia
de Katz e Kahn se mesclam à Administração de Taylor, Fayol e outros, e
podemos então afirmar, com uma quantidade razoável de embasamento, que
as organizações são, acima de tudo, estruturas sociais, e que os
fenômenos de causa e efeito que ocorrem dentro delas são necessariamente
fenômenos sociais, que possuem representantes respectivos em outras
formas de manifestação do conceito de sociedade.
Ao entender as organizações como mais que sistemas abertos e sim
estruturas sociais, um novo leque de possibilidades de estudo se abre, e
passa então a ser explorado pelos autores. Muita coisa até então já
era similar à administração, em especial alguns pontos como o estudo das
motivações que as organizações possuem para existir, conceito também
importante na administração. Outro exemplo está no conceito de
eficiência: sendo as organizações sistemas de transformação de
“energia”, a competência com que essa organização desenvolve esse
processo é fundamental para a sobrevivência e para o sucesso da
organização. Unindo os conceitos administrativos e sociais, culminamos
no Princípio da Maximização, que analogamente ao Princípio da
Eficiência, tenta estabelecer uma série de relações entre os diversos
níveis e blocos que formam a organização, de modo a sugerir medidas para
o sucesso dessa estrutura.
O Princípio da Maximização pode ser entendido como uma generalização
da eficiência, com um forte embasamento econômico: uma organização deve
estar sempre em expansão para se manter forte e resistir às pressões
externas. Essas pressões são representadas no livro através de tensões
internas e externas, e vários exemplos aplicáveis à administração são
citados. Como tensões externas podemos pensar no aumento da demanda por
um produto, que exige a ampliação da produção. Da mesma forma como
pressões internas podemos citar a luta pela melhoria das condições de
trabalho dos empregados, que nos força a diminuir o ciclo de trabalho de
cada um, contratando substitutos. Essa estrutura, não necessariamente
nova, mas com uma nova concepção, generaliza os conceitos de
administração, antes aplicados de forma específica a empresas e
organizações similares, trazendo-os a um novo patamar: a sociedade. A
admnistração deixa de ser uma ciência orientada ao empresariado, e passa
a ter como objeto de estudo a própria estrutura da sociedade humana, as
relações entre as pessoas e os povos.
Vale comentar que o Princípio da Maximização está sujeito às mesmas
restrições que as empresas e outras estruturas sociais. Se ampliar
parece ser sempre o caminho mais correto, devemos nos lembrar que nem
sempre isso é verdade. O estudo da Economia nos mostra que existem um
custo e um lucro marginais, e que a ampliação da produção nem sempre
resulta num aumento dos lucros. Da mesma forma, uma ampliação desmedida
dos subsistemas de uma estrutura organizacional não necessariamente
contribuem para a prosperidade do supersistema: existe uma proporção que
deve ser mantida.
Analisar as organizações como estruturas sociais nos dá a evidente
vantagem de entendê-las como invenções humanas, e portante sujeitas aos
mesmos erros e limitações que outras manifestações de humanidade. Assim
podemos verificar os diversos tipos de interações sociais que se
desenvolvem dentro das organizações, e com isso desenvolver técnicas e
metodologias aplicáveis não só a empresas e outras organizações
evidentes, mas também a outros contextos sociais. Dividí-las em sistemas
de caráter aberto, por sua vez, nos dá a flexibilidade necessária para
nos focarmos em funções específicas, abstraindo-nos da complexidade
muitas vezes prejudicial do todo, essa concepção torna mais fácil o
desenvolvimento de soluções locais, que podem então ser projetadas para
resultados mais generalistas. No fim, o que fizemos foi unir conceitos
da sociologia e da administração para construir um novo modelo, que não
descarta os modelos anteriores ou os restringe, mas expande a
aplicabilidade dos conhecimentos gerados pelas duas áreas, trazendo
ganhos tanto à administração quanto às ciências sociais.
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