WARIS DIRIE
Ex-modelo
internacional, a somali Waris Dirie alerta sobre a Mutilação Genital
Feminina - prática comum em vários países africanos, além de parte do
Oriente e da Europa - em que meninas são cortadas como pré-requisito
para arrumarem casamento. A ideia absurda é de que, com a mutilação,
seus desejos sexuais fiquem reduzidos, assim como a possibilidade de
adultério. Tudo em nome da falsa segurança machista em relação à
fidelidade da esposa e à castidade da noiva.
Ela é uma mulher
negra que venceu na vida como profissional em uma carreira pra lá de
disputada. Ex-modelo internacional de muito prestígio, Waris Dirie,
porém, traz uma certa tristeza no olhar, tristeza essa atrelada ao seu
país de origem, a Somália, ao seu povo e costumes. Aos cinco anos de
idade, ela e duas irmãs (que não sobreviveram) foram submetidas a umas
das maiores crueldades ainda praticadas em vários lugares do mundo em
nome das tradições e crenças dos ancestrais: a Mutilação Genital
Feminina, remoção ou costura dos lábios vaginais ou clitóris para a
diminuição do prazer sexual. Muitos povos consideram a circuncisão
feminina como um ato para manter a 'pureza' de uma jovem até o
casamento.
Muitos homens recusam-se a casar com uma mulher que
não tenha passado pelo "ritual", podendo alegar que a mesma é impura
para o matrimonio ou até mesmo mais propensa a traí-lo. Para piorar a
situação, tais 'operações' são feitas sem a menor condição de higiene,
com objetos cortantes como facas, pedaços de vidros, lâminas, troncos de
árvores e espinhos que, muitas vezes, são usados em várias meninas
diferentes (com idades entre 3 a 15 anos ) sem nenhuma esterilização. As
consequências são infecções graves que, se não levam à morte, provocam
danos à saúde e levam a mulher à infertilidade, sem contar o dano
psicológico. "Muitas dessas mulheres fazem tratamento psicológico pelo
resto da vida", afirmou Waris, em recente visita ao Brasil.
Modelo de luta
Nascida
em 1965, na Somália, Waris Dirie teve uma trajetória atribulada: aos
cinco anos, passou pela estúpida mutilação; aos treze, foi obrigada pelo
pai a se casar com um homem de 60 anos. A então menina, com a ideia de
liberdade correndo nas veias, fugiu. Cruzou a pé o deserto da Somália,
enfrentando animais selvagens e areias escaldantes por 500 quilômetros
até chegar à capital, Mogadíscio. Voltar para casa ela não poderia, pois
na certa seria punida e escravizada pelo próprio pai. Saiu do país em
busca de alguma oportunidade de sustento e, principalmente, para gritar
ao mundo mais tarde a crueldade que acontecia naturalmente na Somália.
Em uma dessas oportunidades, foi descoberta por um fotógrafo inglês
quando trabalhava em uma rede de lanchonetes.
Ela tinha 18 anos. A
partir daí, sucessso, fama e dinheiro passaram a fazer parte da vida de
Waris. "Mas posso te contar um segredo? Por tudo que vivi e sofri, não
pense que eu gosto de ficar em hotéis 5 estrelas. Sou de família simples
e gosto de gente, de me comunicar, de ser realmente livre", diz a
ex-modelo, hoje embaixadora da ONU para o combate à mutilação genital
feminina e fundadora da ONG Waris Dirie Foundation que, desde 2002, luta
para erradicar de vez essa prática do mundo. "Fico feliz em saber que
com os trabalhos de divulgação e alerta, 16 países na África já
aprovaram a proibição desse costume", comemora. Autora de vários livros,
sua biografia, Flor do Deserto ganhou as telonas. Lançado na Alemanha
no final de 2009, o filme deve chegar aos cinemas brasileiros no
primeiro semestre de 2011.
Em nome do pai
Estima-se que
140 milhões de mulheres tenham sido submetidas à Mutilação Genital
Feminina em várias partes do mundo, tudo em nome da "tradição". A África
lidera esse triste ranking. No continente negro mais de 20 países usam
dessa prática para limitar o prazer feminino. Mas essa prática sem
sentido não é feita apenas em nome de crenças, como conta Waris Dirie:
Pelas muitas frentes de combate, a Mutilação Genital Feminina é uma
prática condenada em todo o mundo.
Mas por que tal brutalidade ainda é tão praticada?
Uma
das razões é que virou uma forma de comércio. Os pais vendem suas
filhas em troca de dinheiro. É ele, na maioria das vezes, que ordena que
sua menina seja mutilada. Elas são trocadas por dinheiro ou qualquer
outra coisa do interesse paterno.
O problema, então, vai além do fator cultural?
Sim,
a pobreza faz com que ele aconteça. É um problema terrível e acredito
que se nos livrarmos da pobreza, da miséria, nos livramos também da
Mutilação Genital Feminina.
Depois que você saiu da Somália e se tornou uma top model de sucesso, qual o seu grande objetivo?
Eu
quero poder dormir e acordar livre para voar, sinto que estou só
começando a luta. Quero poder abrir os olhos e ver homens, mulheres e
crianças sendo respeitadas pelo que são e pelo que buscam. Descobri que
faço parte do coro de mulheres que dizem NÃO quando o assunto é a
violência.
Acredita que está conseguindo?
Estou aqui para
falar da minha dor e do meu sofrimento, mas também para falar do
resultado. Muitos acreditam que a mutilação é certa, principalmente
mães e avós. Elas acreditam que se suas filhas não forem cortadas
nunca arranjarão um marido. É um absurdo! Não podemos permitir que tais
costumes venham aterrorizar as nossas filhas. Percebo que meu
sofrimento mudou a minha família, o meu bairro está mudando,
consequentemente, o meu país, a Somália. O mundo em que vivemos também
mudará. Eu tendo a oportunidade de dizer não à violência, eu direi, em
qualquer lugar, em qualquer idioma. E quando não mais conseguir falar
vou mostrar. Estou dando a minha parcela para tais mudanças.
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